A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) entregou, na sexta-feira, 15 de agosto de 2025, respostas técnicas ao governo dos Estados Unidos no âmbito de uma investigação aberta com base na Seção 301 da Lei de Comércio americana. O procedimento é usado pelo país para avaliar se parceiros adotam práticas consideradas desleais ou discriminatórias e pode resultar em sanções aplicadas de forma unilateral pelo Poder Executivo dos EUA. Na documentação, a CNA concentrou sua defesa em três eixos do processo: tarifas preferenciais, acesso ao mercado de etanol e desmatamento ilegal.
Segundo a entidade, os argumentos enviados reúnem dados comerciais, fundamentos jurídicos e referências a acordos multilaterais que, na avaliação do setor, demonstram conformidade das políticas brasileiras. A manifestação foi encaminhada ao Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês). Em setembro de 2025, a confederação pretende participar presencialmente da audiência pública da investigação. Os EUA são hoje o terceiro principal destino das exportações do agronegócio brasileiro, o que eleva o peso do caso para produtores e empresas de toda a cadeia.
Panorama do caso e por que ele importa
A Seção 301 é um instrumento que concede ao governo americano a possibilidade de apurar condutas comerciais de outros países e, se julgar necessário, aplicar medidas como sobretaxas, restrições ou negociações específicas. Não se trata de uma disputa conduzida diretamente pela Organização Mundial do Comércio (OMC), ainda que as regras multilaterais sirvam de referência na análise. Isso explica a preocupação do setor exportador brasileiro: eventuais barreiras impostas pelos EUA têm impacto imediato sobre preços, previsibilidade de contratos e planejamento logístico.
O foco dos Estados Unidos está dividido em seis temas: comércio digital e pagamentos eletrônicos, tarifas preferenciais, práticas anticorrupção, propriedade intelectual, acesso ao mercado de etanol e desmatamento ilegal. A CNA decidiu apresentar, nesta etapa, fundamentos específicos sobre três desses tópicos. A estratégia, de acordo com a entidade, foi priorizar áreas nas quais há questionamentos diretos sobre regras tarifárias, regulação de biocombustíveis e controles fundiários e florestais.
O que a CNA levou ao USTR
A confederação anexou documentos com séries históricas de comércio exterior, citações a acordos do GATT e da OMC e referências a normas brasileiras em vigor. No eixo de tarifas preferenciais, a defesa sustenta que o Brasil concede tratamento tarifário diferenciado apenas em situações previstas pelas regras multilaterais, como no âmbito da Cláusula de Habilitação, e que esse universo representa fração minoritária das importações totais. No tema etanol, a CNA argumenta que a alíquota aplicada é a de Nação Mais Favorecida (NMF) e que houve períodos de isenção para o produto americano. Já no eixo de desmatamento ilegal, a entidade descreve a estrutura legal brasileira, os cadastros, os sistemas de rastreabilidade e as exigências para a exploração florestal e a produção agropecuária.
Ao longo do texto, a CNA reforça que o agronegócio está inserido em cadeias internacionais de valor e depende de previsibilidade para aquisição de insumos e venda de sua produção. O documento ressalta que o histórico de exportações para os EUA revela complementaridade de mercados e lista áreas de cooperação de interesse mútuo, como biocombustíveis, tecnologia agrícola, certificações e instrumentos digitais de comércio. O objetivo declarado é afastar a percepção de privilégio indevido a parceiros específicos e demonstrar equivalência de tratamento ao exportador americano quando aplicável.
Tarifas preferenciais: o que diz a defesa
Na parte dedicada às tarifas preferenciais, a CNA afirma que o Brasil mantém número restrito de acordos que resultam em redução de alíquotas e que esses instrumentos se baseiam em permissões previstas no sistema multilateral. A referência central é a Cláusula de Habilitação, que autoriza arranjos preferenciais entre países em desenvolvimento, e o próprio GATT, que estabelece as condições gerais aplicáveis às tarifas. A entidade lembra que as regras brasileiras não estabelecem discriminação contra os Estados Unidos e que o alcance desses acordos é limitado quando se observa a pauta total de importações do país.
A argumentação compara o cenário brasileiro ao portfólio americano de acordos de livre comércio. Enquanto os EUA mantêm tratados amplos com diversos parceiros, o Brasil opera preferências pontuais com impacto pequeno na participação de mercado de exportadores de fora desses arranjos. A confederação afirma que, mesmo quando há redução tarifária para certos povos ou regiões, não há evidência de prejuízo direto às vendas americanas no agregado, em razão da natureza dos produtos, da sazonalidade e da competitividade relativa de cada fornecedor. Com isso, sustenta que não existe política direcionada a restringir o acesso de bens dos EUA por meio de benefícios seletivos a terceiros.
- Tratamento preferencial concedido de forma limitada e alinhado a regras multilaterais.
- Participação das importações cobertas por acordos preferenciais descrita como pequena no total brasileiro.
- Ausência de discriminação específica contra produtos dos EUA, segundo a defesa.
- Comparação com a rede de acordos americanos para indicar que preferências são comuns no comércio global.
Acesso ao mercado de etanol: pontos centrais
O segundo bloco da manifestação aborda o etanol. Entre 2010 e 2017, o produto de origem americana contou com isenção tarifária no Brasil. Depois, passou a valer a alíquota de Nação Mais Favorecida de 18%, abaixo da tarifa de 20% aplicada a países do Mercosul. A CNA descreve esse histórico como evidência de previsibilidade regulatória e de ausência de discriminação, argumentando que a estrutura tarifária observada hoje é transparente e divulgada publicamente nos instrumentos oficiais de comércio exterior.
A entidade também aborda a política brasileira para biocombustíveis, citando o RenovaBio. De acordo com a defesa, o programa é acessível a produtores estrangeiros que cumpram os requisitos técnicos e de desempenho estabelecidos, o que inclui auditorias, certificações e rastreamento de dados de produção e de intensidade de carbono. Ainda segundo a CNA, alegações de favorecimento a países específicos, como Índia e México, não se sustentam quando confrontadas com os volumes efetivamente exportados para o Brasil ao longo dos últimos anos. A confederação afirma preferir uma agenda de cooperação bilateral com os EUA em bioenergia, com ênfase em padronização técnica e integração de mercados.
Desmatamento ilegal: arcabouço jurídico e controles declarados
No eixo de desmatamento ilegal, a CNA elenca leis e instrumentos de fiscalização existentes. Entre eles estão o Código Florestal, a Lei de Crimes Ambientais, cadastros obrigatórios e sistemas de monitoramento remoto. A defesa destaca o Cadastro Ambiental Rural (CAR) como ferramenta para registro de imóveis rurais e para a verificação de conformidade, mencionando que órgãos federais e estaduais cruzam dados para apurar inconsistências e coibir infrações. A confederação cita ainda operações recorrentes de fiscalização em cadeias de risco e a possibilidade de sanções administrativas e criminais em caso de irregularidades.
Quanto à exploração e ao transporte de madeira, a entidade aponta o uso do Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) e do Documento de Origem Florestal (DOF+) como mecanismos de rastreabilidade. O argumento central é que o arcabouço normativo cria trilhas de auditoria, exige comprovação documental e permite o bloqueio de cargas, quando necessário. Para o agro, isso significaria previsibilidade regulatória e redução de risco para compradores internacionais interessados em cadeias com controle formal de origem.
O que os EUA investigam: os seis eixos do processo
A investigação da Seção 301 aberta pelos EUA lista seis frentes. Além das três já respondidas pela CNA, há temas que tocam diretamente o ambiente de negócios e a dinâmica de inovação. O tópico de comércio digital e pagamentos eletrônicos mira regras que possam, na visão americana, criar barreiras a serviços e plataformas. Em propriedade intelectual, a atenção recai sobre proteção de patentes, marcas e direitos autorais, incluindo eventuais exigências locais que impactem o acesso ao mercado. Em práticas anticorrupção, o foco é avaliar procedimentos, órgãos de controle e mecanismos de integridade exigidos de empresas que contratam com o poder público.
Nos temas já endereçados na defesa, a discussão gira em torno de como o Brasil aplica preferências tarifárias, de que maneira organiza seu mercado de biocombustíveis e quais são os instrumentos usados para coibir desmatamento ilegal. Mesmo que o documento enviado pela CNA não trate de todos os eixos, as respostas podem influenciar a leitura geral do USTR sobre o conjunto de práticas brasileiras. A audiência pública prevista para setembro servirá para ampliar o debate, com espaço para manifestações de empresas, associações e especialistas.
- Comércio digital e pagamentos eletrônicos
- Tarifas preferenciais
- Práticas anticorrupção
- Propriedade intelectual
- Acesso ao mercado de etanol
- Desmatamento ilegal
Impactos potenciais para o agronegócio brasileiro
Uma decisão americana que imponha sobretaxas ou restrições pode afetar diretamente produtores de grãos, carnes, derivados de cana e itens industrializados do agro. Além do aumento de custo para entrar no mercado dos EUA, barreiras elevam a complexidade de contratos e dificultam previsões de fluxo de caixa. Empresas que fizeram investimentos com base em margens calculadas para vendas aos Estados Unidos podem ser obrigadas a redirecionar parte da produção, o que envolve logística adicional e renegociação com clientes em outros países. Essa movimentação tende a pressionar fretes, armazenagem e prazos de entrega no curto prazo.
Por outro lado, se o USTR considerar adequadas as justificativas apresentadas pelo Brasil e optar por negociar compromissos em vez de sancionar, o efeito imediato seria a manutenção do status atual. Isso não elimina riscos, mas oferece tempo para ajustes regulatórios, melhorias de governança e incorporação de ferramentas de rastreabilidade. Em qualquer cenário, associações setoriais orientam empresas a preparar planos de contingência, rever apólices de seguro de crédito à exportação e mapear alternativas de desembarque nos principais portos americanos, caso haja mudança súbita nas tarifas.
Como funciona o procedimento da Seção 301
O rito típico da Seção 301 começa com um anúncio de investigação pelo USTR. Na sequência, abre-se período para envio de comentários públicos e solicitações de audiência. O governo americano pode requisitar documentos às partes interessadas, conduzir análises técnicas e elaborar relatórios com recomendações. A audiência pública serve para colher manifestações de exportadores, importadores, acadêmicos e representantes de governos estrangeiros. Depois, o USTR divulga suas conclusões e, se for o caso, propõe medidas que podem variar de negociações a aplicação de tarifas adicionais sobre uma lista de produtos.
O processo não tem um prazo universal. Em casos de maior complexidade, a coleta de informações se estende por alguns meses, com atualização das listas de produtos sujeitas a medidas. Quando há indícios de que mudanças regulatórias no país alvo estejam em curso, o USTR pode optar por monitorar os compromissos assumidos antes de decidir por sanções. A participação de entidades como a CNA em audiências costuma fornecer subsídios para que o governo americano compreenda as especificidades setoriais, os fluxos já estabelecidos de comércio e a aderência das regras nacionais ao arcabouço multilateral.
Cenários possíveis e variáveis a acompanhar
Três linhas de evolução são observadas por agentes de mercado. A primeira é a de entendimento negociado, com compromissos formais, metas de acompanhamento e manutenção do acesso atual. A segunda é a de aplicação de medidas pontuais sobre produtos específicos, com revisão periódica conforme a resposta do país investigado. A terceira envolve um pacote mais amplo de sobretaxas, cujo efeito imediato seria realocar demanda para fornecedores de outras origens. Cada uma dessas trajetórias depende da avaliação americana sobre a robustez das normas brasileiras e da percepção de equivalência de tratamento ao exportador dos EUA.
Outro elemento é o ciclo político e regulatório dos dois países. Mudanças de governo, regulamentos em debate e decisões judiciais internas podem influenciar a leitura do USTR. Para o exportador, a recomendação prática é reforçar a documentação de conformidade, manter cadastros e licenças atualizados, e registrar evidências de atendimento às regras, inclusive no que se refere a origem de insumos, uso de tecnologias de medição e auditorias independentes. Esse conjunto de provas facilita a defesa caso produtos específicos entrem em listas de revisão.
Perguntas e respostas: entenda os pontos-chave
O que é a Seção 301 e como ela se diferencia de uma disputa na OMC?
A Seção 301 é uma lei dos Estados Unidos que permite investigar práticas de comércio consideradas desleais ou discriminatórias. O governo americano, por meio do USTR, pode decidir por medidas sem aguardar uma decisão de órgão internacional, embora leve em conta princípios multilaterais como os da OMC. Já as disputas na OMC obedecem a um contencioso formal entre membros, com painel de especialistas, prazos e instâncias de recurso. A principal diferença é a unilateralidade e a velocidade de resposta que a Seção 301 pode conferir aos EUA.
Para exportadores, isso significa que a previsibilidade da OMC dá lugar a um ambiente mais sujeito a decisões administrativas americanas. Pelo mesmo motivo, o histórico de cooperação e a capacidade de demonstrar conformidade documental ganham importância, pois podem influenciar a dosimetria de eventuais medidas ou mesmo apoiar uma solução negociada.
O que a CNA argumenta sobre tarifas preferenciais?
A CNA afirma que o Brasil concede preferências com base em instrumentos previstos no GATT e na Cláusula de Habilitação, que autorizam arranjos entre países em desenvolvimento. Segundo a defesa, a participação dessas preferências no total de importações brasileiras é pequena e não há indício de discriminação específica contra produtos dos EUA. A comparação com a rede de acordos americanos é usada para reforçar que preferências são parte do funcionamento normal do sistema de comércio global.
Na prática, a confederação diz que essas preferências não alteram de forma significativa a competitividade de vendedores americanos no Brasil, seja porque a pauta afetada é estreita, seja porque variáveis como logística, câmbio e qualidade de produto pesam mais na decisão de compra.
Qual é o histórico do etanol importado dos EUA?
Entre 2010 e 2017, o Brasil concedeu isenção tarifária ao etanol americano. A partir de então, passou a valer a tarifa de NMF de 18%. De acordo com a CNA, a alíquota praticada é inferior à aplicada aos países do Mercosul, que permanecem com 20%. A confederação sustenta que as regras são claras e dão previsibilidade ao operador, que conhece a alíquota antes de negociar cada embarque.
A defesa também menciona que o RenovaBio pode ser acessado por produtores estrangeiros que cumpram critérios verificados por auditorias e relatórios. A mensagem ao USTR é que não há barreiras ocultas ou discriminação direcionada ao etanol dos EUA e que eventuais ajustes são discutidos em fóruns oficiais com consulta pública e transparência.
Como o Brasil organiza o controle de desmatamento ilegal segundo a defesa apresentada?
A CNA lista o Código Florestal e a Lei de Crimes Ambientais como pilares legais, além de instrumentos de monitoramento, como o CAR. O objetivo é demonstrar que propriedades rurais precisam estar registradas e que há mecanismos para detectar inconformidades. O documento também aponta que existem sanções e embargos previstos para infrações, o que serviria de desestímulo a práticas ilegais.
Para produtos florestais, a defesa cita o Sinaflor e o DOF+ como estruturas de rastreabilidade da origem da madeira. No entendimento da entidade, esses sistemas formam trilhas de auditoria que permitem acompanhar o ciclo de vida do produto, desde a autorização até o transporte. Com isso, compradores internacionais teriam meios formais de checar regularidade documental das cargas.
Quais medidas os EUA podem adotar ao final da investigação?
As opções incluem iniciar tratativas para compromissos específicos, aplicar sobretaxas sobre uma lista de produtos, impor requisitos adicionais de conformidade ou combinar essas alternativas. Em muitos casos, o USTR publica listas preliminares e abre prazo para comentários, o que pode resultar em ajustes no escopo antes da decisão final. A intensidade das medidas costuma levar em conta a resposta apresentada pelo país investigado e os impactos para consumidores e empresas americanas.
Se houver sobretaxas, exportadores brasileiros podem enfrentar aumento de custo imediato e necessidade de renegociar preços. Caso prevaleça um entendimento negociado, o foco se desloca para compromissos verificáveis, cronogramas de implementação e relatórios periódicos de acompanhamento.
Orientações práticas para empresas afetadas
Empresas com vendas relevantes aos EUA podem adotar algumas medidas preventivas. Uma delas é consolidar dossiês de conformidade com notas fiscais, licenças, certificados e relatórios de auditoria. Outra é revisar contratos com cláusulas de variação tarifária, prevendo ajustes caso alíquotas de importação sofram mudança. Também é recomendável diversificar pontos de desembarque e operadores logísticos para ganhar flexibilidade se ocorrerem alterações pontuais em canais de entrada.
Do ponto de vista financeiro, vale revisar políticas de hedge cambial, seguro de crédito e limites de exposição por cliente. A abertura de canais de comunicação com compradores americanos ajuda a calibrar prazos e volumes, bem como a mapear janelas de embarque que evitem picos de tarifa em caso de anúncios graduais pelo USTR. Por fim, monitorar a audiência pública de setembro e os comunicados oficiais dá pistas sobre o rumo do processo e o tempo disponível para ajustes.
Números e equilíbrio do comércio Brasil–EUA no agro
Os Estados Unidos figuram como o terceiro destino das exportações agropecuárias brasileiras, atrás de grandes mercados da Ásia e da Europa. A pauta inclui produtos básicos e industrializados com forte giro anual, como farelos, óleos, bebidas e carnes processadas, além de itens florestais. A relação comercial tem se caracterizado por complementaridade: enquanto o Brasil lidera em algumas cadeias, os EUA são referência em outras, o que favorece o intercâmbio de tecnologia, sementes, máquinas e serviços associados à produção rural.
Para o comprador americano, o fornecedor brasileiro oferece escala e regularidade de entrega em diversas commodities. Para o produtor brasileiro, o mercado dos EUA agrega previsibilidade de demanda, padrões técnicos reconhecidos e canais consolidados de distribuição. Essa combinação explica a atenção que o setor dedica ao caso da Seção 301. Mudanças tarifárias em uma ponta podem se refletir em preços domésticos, planejamento de área plantada e decisões de investimento nas safras seguintes.
Tarifas preferenciais na prática: exemplos e limites
Quando um país firma acordo que reduz tarifas para determinado grupo, cria-se uma vantagem relativa para aquela origem. Esse mecanismo é reconhecido e difundido na economia internacional, desde que respeite balizas multilaterais. No caso brasileiro, a CNA sustenta que a amplitude desses acordos é pequena e que muitos produtos importados dos EUA competem em segmentos onde não há preferência relevante para terceiros. Em outras palavras, a existência de acordos não implica, por si, prejuízo automático ao exportador americano.
Um ponto importante é a diferença entre tratamento tarifário negociado e incentivos internos. A defesa brasileira aborda apenas as preferências formalizadas e registradas em instrumentos internacionais, sem entrar em subsídios domésticos ou políticas de crédito, que seguem outros marcos. Esse recorte ajuda a delimitar o que está sendo analisado na Seção 301 e o que permanece em programas internos que não envolvem tarifas de importação.
Etanol: regras, certificações e acesso operacional ao Brasil
Para exportar etanol ao Brasil, operadores precisam observar a alíquota vigente, cumprir exigências de qualidade e, se optarem por participar do RenovaBio, seguir as etapas de credenciamento e auditoria previstas. A CNA afirma que não há distinção por nacionalidade nesse fluxo. O desempenho do produto e a aderência a metodologias de cálculo são avaliados de modo padronizado, com relatórios técnicos e verificação independente. Esses requisitos, argumenta a entidade, permitem previsibilidade na formação de preço e na negociação de contratos de longo prazo.
A política brasileira de biocombustíveis, em sentido amplo, busca incentivar eficiência e rastreio de informações. Do ponto de vista do exportador, o ponto-chave é a clareza dos critérios e a possibilidade de atender às exigências com documentação e auditorias reconhecidas. Nesse ambiente, a concorrência se dá por custo, regularidade de oferta e performance técnica, e não por barreiras regulatórias desenhadas para restringir produtos de origem específica.
Controles fundiários e florestais: como ficam as cadeias do agro
Ferramentas como o Cadastro Ambiental Rural permitem mapear imóveis e associar produção a áreas registradas. Na visão da CNA, isso dá segurança adicional a compradores internacionais, especialmente em cadeias que exigem verificação documental. A integração de bancos de dados e o cruzamento de informações com imagens de satélite criam camadas de validação que podem identificar situações de risco. A defesa enviada aos EUA ressalta que esse tipo de instrumento não é opcional para o produtor formalizado e que irregularidades estão sujeitas a autuações e embargos.
No caso de madeira e produtos florestais, o Sinaflor e o DOF+ funcionam como registro de origem, autorizações e deslocamentos. O controle por meio de plataformas digitais e documentos com trilha verificável busca coibir fraudes e facilitar a checagem por autoridades e parceiros comerciais. A existência de certificados e de relatórios de fiscalização ajuda a compor evidências para auditorias, o que costuma ser exigido por compradores que operam sob regras estritas de conformidade.
Audiência pública em setembro: o que observar nas falas
A audiência pública prevista para setembro de 2025 será uma oportunidade para que o USTR escute diferentes visões. Entidades americanas podem defender medidas para proteger concorrentes domésticos, enquanto importadores tendem a ponderar sobre custos ao consumidor e continuidade de abastecimento. Delegações estrangeiras, como a da CNA, costumam usar o espaço para detalhar regras, apresentar dados e propor cooperação técnica. O tom das perguntas dos organizadores e a ênfase dada a cada eixo indicam prioridades na avaliação final.
É comum que, após as sessões, o USTR publique resumos ou receba contribuições adicionais por escrito. Esse material alimenta a análise interna que precede a recomendação de medidas. Para o público brasileiro, acompanhar as manifestações ajuda a antecipar se o foco recairá mais sobre tarifas e acesso a mercado ou sobre marcos regulatórios e fiscalização.
Riscos, mitigação e alternativas de rota para exportadores
Se houver alteração tarifária, exportadores podem avaliar três caminhos. O primeiro é repassar parte do custo, negociando com o importador e ajustando prazos. O segundo é otimizar cadeias logísticas para reduzir despesas fora da tarifa, como armazenagem e transporte, buscando compensar a nova alíquota. O terceiro é diversificar destinos, redistribuindo volumes para mercados com acesso equivalente e margens suficientes para absorver a mudança. Cada empresa terá uma combinação própria, conforme portfólio de clientes, contratos e exigências técnicas dos produtos.
Instrumentos financeiros podem apoiar a transição. Linhas de capital de giro atreladas a recebíveis de exportação, garantias de performance e seguros contra cancelamento de pedidos ajudam a atravessar períodos de maior incerteza. Em paralelo, a atualização constante de documentação de conformidade e a adoção de sistemas de rastreabilidade reduzem o tempo de resposta a solicitações de verificação, algo comum quando produtos entram em listas sob análise.
Cooperação bilateral: áreas de convergência possíveis
Brasil e Estados Unidos têm histórico de diálogo em temas agrícolas, padrões sanitários, biocombustíveis e tecnologia aplicada ao campo. Em vez de sanções, uma alternativa é a negociação de protocolos que facilitem o reconhecimento mútuo de certificações, reduzam redundâncias de auditoria e estabeleçam calendários para revisão de normas. Isso preserva o fluxo de comércio e cria ambiente para investimentos de longo prazo em ambos os países, com ganhos para produtores, processadores e distribuidores.
No campo específico dos biocombustíveis, há espaço para alinhar metodologias de cálculo de desempenho, padronizar relatórios e fortalecer intercâmbio de dados. Para cadeias florestais e agropecuárias, o compartilhamento de práticas de rastreabilidade e de técnicas de verificação documental pode reduzir custos de conformidade. Esses caminhos, defendidos por associações empresariais, dependem de vontade política e de rotas técnicas claras.
O que observar nos próximos meses
Até o fim de setembro de 2025, a atenção estará voltada para a audiência e para os prazos subsequentes de envio de contribuições. Em seguida, o USTR poderá publicar relatórios parciais, listas preliminares de produtos ou orientações sobre negociações específicas. O teor desses documentos indicará a direção da decisão final. Paralelamente, órgãos brasileiros podem promover reuniões com o setor privado para alinhar dados, mapear riscos e definir estratégias para eventuais medidas.
Para produtores e tradings, a recomendação é manter comunicação constante com clientes norte-americanos, atualizar cronogramas de embarque e reforçar o acompanhamento de indicadores de demanda. Em situações como essa, informações tempestivas ajudam a reduzir custos e a evitar interrupções desnecessárias em linhas de produção e entregas.
Declarações da CNA e a leitura do setor
A diretoria de Relações Internacionais da CNA reforça repetidamente que o agronegócio brasileiro é competitivo, com ganhos de produtividade ao longo de décadas. A entidade afirma confiar que o exame americano vai reconhecer que o país opera dentro de parâmetros compatíveis com as regras de comércio. Em sua manifestação, a confederação salientou representar milhões de produtores rurais e argumentou que estabilidade e clareza regulatória são essenciais para contratos de exportação de longo prazo.
No setor privado, a avaliação predominante é que o diálogo técnico pode reduzir atritos. Exportadores que já atendem requisitos de rastreabilidade e certificações tendem a ter mais facilidade para comprovar conformidade. Ao mesmo tempo, há expectativa de que o governo brasileiro responda a eventuais pedidos de informação de forma rápida e com base em dados, fortalecendo a posição do país nas discussões bilaterais.
O que podem fazer governos e empresas agora
Autoridades brasileiras podem atuar em duas frentes. A primeira é o suporte técnico, oferecendo dados consolidados, estatísticas de comércio e detalhamento de normas em vigor. A segunda é a diplomática, com diálogo contínuo com o USTR e com stakeholders americanos. Essa combinação costuma aumentar a previsibilidade do processo e abrir espaço para compromissos práticos, como interoperabilidade de sistemas de verificação e planos de trabalho com metas claras.
Para empresas, a prioridade é mapear exposições e elaborar cenários. Isso inclui identificar quais NCMs seriam mais sensíveis a alterações, avaliar contratos com cláusulas de repasse de custo e revisar políticas de crédito a clientes. Em paralelo, convém manter equipes treinadas para responder rapidamente a pedidos de documentação, auditorias e diligências de importadores, uma prática que se intensifica em ciclos de revisão regulatória.
Leitura final: o que o envio da defesa sinaliza
O protocolo das respostas pela CNA em 15 de agosto de 2025 indica uma estratégia de enfrentamento técnico da investigação americana. Em vez de se limitar a notas públicas, a entidade busca ancorar o debate em números, marcos legais e descrição de ferramentas de controle. O gesto abre caminho para uma participação mais ativa na audiência de setembro e para conversas que privilegiem padronização, transparência documental e cooperação regulatória em áreas como biocombustíveis e cadeias florestais.
Enquanto o USTR avalia as contribuições, o setor segue atento a sinais sobre possíveis medidas. A leitura predominante é que há espaço para um desfecho negociado, mas a preparação para cenários alternativos continua essencial. Em um mercado global competitivo, a capacidade de demonstrar conformidade com regras e de reagir rapidamente a mudanças regulatórias pode fazer diferença no resultado da safra e na saúde financeira das empresas.