Cuba vive apagão de ovos: produção desaba, importações no limite e os sinais para sua despensa

Cuba vive apagão de ovos: produção desaba, importações no limite e os sinais para sua despensa

A avicultura de Cuba atravessa um colapso raro em seis décadas. O país produziu 2,717 bilhões de ovos em 1991 e, em 2024, caiu para 385 milhões de unidades. A oferta minguou, os preços subiram e a dependência de insumos de fora se tornou o principal gargalo. O efeito imediato é sentido no orçamento das famílias e na rede pública, que tenta priorizar hospitais e escolas com o pouco que resta.

Autoridades do setor apontam a mesma raiz: quase tudo é importado, da ração aos medicamentos. Faltam dólares e crédito para manter as linhas de produção funcionando. Com menos ração, o plantel encolheu e a produtividade caiu. O governo correu para liberar parcerias com empresas não estatais, mas a alta do câmbio e os atrasos nas compras externas reduziram a eficácia das medidas. O resultado é um mercado pressionado, com parte da oferta migrando para canais dolarizados e um consumo social que opera no limite.

Panorama atual e números da crise

A escala da queda chama atenção. Em 1991, a avicultura cubana abasteceu o país com 2,717 bilhões de ovos. Trinta e três anos depois, em 2024, o volume despencou para 385 milhões. O recuo não é isolado: segundo o jornal estatal Trabajadores, a produção animal como um todo opera a 25% a 30% da capacidade em relação a cinco anos atrás. Na prática, isso significa 5,4 milhões de galinhas poedeiras a menos, menos ração e menos ovos disponíveis para venda direta e programas públicos.

Jorge Luis Parapar, presidente do Grupo Avícola do Ministério da Agricultura, resumiu o nó da questão: “tudo na avicultura é importado, e a falta de financiamento prejudica muito o programa”. A fala aponta para o ponto de estrangulamento. Sem moeda forte, as fábricas de ração param e o ciclo produtivo se rompe. Em 2025, houve algum alívio pontual com a priorização do chamado consumo social, mas a produção total seguiu aquém do necessário para estabilizar preços e abastecimento nas prateleiras e no mercado informal.

Dependência de importações e gargalos logísticos

O modelo atual depende do exterior para quase todas as etapas. Ração, prem misturas vitamínicas, medicamentos, peças de maquinário e até embalagens entram por importação. A ração comprada de fornecedores em países como Estados Unidos, República Dominicana e Colômbia chega cara e sujeita a atrasos. No mercado de oferta e demanda, o preço mencionado por agentes do setor oscila de 90 a 120 pesos por unidade negociada, encarecendo toda a cadeia. Quando o câmbio sobe ou o crédito encurta, as compras são adiadas, e as linhas param por falta de insumos básicos como milho e farelo de soja.

A logística amplifica a volatilidade. Sem contratos de fornecimento com proteção cambial e cronogramas confiáveis, a indústria perde previsibilidade. Navios atrasados se convertem em silos vazios e galpões subutilizados. Ao mesmo tempo, qualquer tentativa de estocar grãos exige capital de giro em dólar, algo raro no atual contexto financeiro. O resultado é uma operação “no fio da navalha”, que liga diretamente o calendário de importações ao volume de ovos disponível mês a mês no varejo e na rede pública.

Preços, renda e consumo das famílias

A pressão recai sobre o consumidor. Com a ração custando de 90 a 120 pesos por unidade no mercado paralelo de insumos, o preço final dispara. Uma caixa de ovos pode chegar a 3.000 pesos, valor distante da renda média e incompatível com compras regulares. No mercado informal, o produto transita entre MPMEs e lojas on-line que trabalham em dólar, enquanto grande parte da população, sem acesso à moeda forte, enfrenta prateleiras vazias ou quantidades reduzidas. O ovo, antes item frequente na mesa, ganhou status de bem caro em várias localidades.

A rede pública procura preservar o abastecimento do consumo social, priorizando hospitais, escolas e outras instituições. Mas o volume é limitado. Em muitas casas, a mudança já aparece no prato: menos ovos em preparos diários e substituições improvisadas que não entregam o mesmo aporte proteico. A insegurança de oferta também altera a forma de comprar: quando aparece um lote a preço mais baixo, a tendência é estocar, o que cria picos de demanda e novas ondas de desabastecimento logo depois.

  • Caixa de ovos a até 3.000 pesos; valor varia por província, câmbio e ponto de venda.
  • Oferta instável impulsiona compras por oportunidade, gerando “picos” e “vales” de abastecimento.
  • Parte relevante do fluxo vai para canais dolarizados, fora do alcance de quem recebe em pesos.

Medidas do governo e limites dos resultados

Para evitar um desabastecimento absoluto, o governo aprovou em 2024 a possibilidade de “produções cooperativas” por meio da Resolução nº 55. A norma abriu a porta para que empresas estatais fechassem acordos com entidades não estatais, combinando ativos públicos, trabalho privado e insumos importados. Entre novembro de 2024 e janeiro de 2025, foram incorporadas 1,31 milhão de galinhas poedeiras ao arranjo. Até junho de 2025, 109,3 milhões de ovos foram direcionados aos programas sociais, um alívio importante para escolas, hospitais e outras instituições do Estado.

O fôlego, porém, não durou. As entidades não estatais começaram a se retirar dos acordos diante das mesmas barreiras que atingem o setor: dificuldade para comprar ração no exterior, alta do dólar e atrasos logísticos. Sem insumos ou previsibilidade, o custo de manter galinhas em postura subiu além do tolerável. A oferta voltou a cair, enquanto os preços no mercado informal dispararam. O desenho tentou combinar rapidez e pragmatismo, mas a base financeira e cambial não acompanhou.

Na prática, parte das empresas estatais passou a se associar a Projetos de Desenvolvimento Local que vendem em dólar, uma forma de compensar a ração comprada em moeda estrangeira. A estratégia preserva lotes para o consumo social e garante a sobrevivência de algumas granjas, mas aumenta a segmentação de preços. Para quem vive e recebe em pesos, a sensação é de afastamento do produto, agora mais presente em canais dolarizados do que no varejo tradicional acessível à maioria.

Linhas de custo: da ração aos fechamentos de fábricas

A ração concentra a maior fatia do custo de produção. Sem milho, farelo de soja e prem misturas minerais, não há postura sustentada. Uma fábrica em Holguín ilustra o quadro: produziu 700 toneladas de ração em 2022, mas ficou sem insumos essenciais a partir de setembro de 2024. Quando um moinho para, o efeito aparece semanas depois na granja, com redução de consumo por ave, queda no ganho de peso e, por fim, menos ovos por galinha alojada. Em sequência, o custo fixo se dilui sobre um volume menor e a contabilidade fecha no vermelho.

No curto prazo, a tentativa é alongar o estoque e ajustar fórmulas para “esticar” o que resta. Só que a avicultura responde rápido à falta de energia alimentar e proteína bruta: o índice de conversão piora e o pico de postura encurta. Qualquer falha de duas ou três semanas em fornecimento de ração causa um “degrau” de produtividade que não se recupera de um dia para o outro. Voltar ao ritmo anterior exige investimento, tempo e um calendário confiável de importações, algo escasso no momento.

Os números financeiros acompanham a crise técnica. A Empresa Avícola Provincial de Ciego de Ávila, um dos maiores atores do país, registrou prejuízo superior a 149 milhões de pesos em 2024. A conta não fecha quando o custo da ração sobe em moeda forte e a venda acontece em pesos desvalorizados. Sem uma ponte de financiamento ou um mecanismo estável de reposição de divisas, o ciclo se repete: compras menores, produção menor e novos aumentos de preço ao consumidor final.

Cadeia do ovo: etapas, prazos e pontos de risco

Produzir ovos em escala exige precisão. O ciclo começa com a genética de matrizes, segue para incubatórios, recria de frangas e, por fim, as granjas de postura. Em cada etapa, há necessidades específicas de ração, biossegurança, vacinação e ambiência. O ponto de postura costuma chegar por volta das 18 a 20 semanas de idade e o pico acontece semanas depois, quando a ave precisa de ração estável e de qualidade para sustentar a curva produtiva. Qualquer variação relevante de energia, proteína ou cálcio se traduz em ovos menores, casca frágil e desuniformidade entre lotes.

Em ambientes com acesso restrito a insumos, os riscos se multiplicam. Atrasos em vacinas comprometem sanidade. Falhas de manutenção em núcleos de recria diminuem a uniformidade do lote e reduzem a postura mais à frente. Sem peças de reposição para comedouros e bebedouros, a distribuição de ração e água perde regularidade, o que impacta consumo e produtividade. Em um país dependente de importações, cada ruptura logística pode virar um gargalo operacional com reflexo direto na quantidade de ovos disponíveis ao público.

Outro componente é o fluxo de caixa. Granjas precisam comprar ração antes de vender ovos; quando o ciclo financeiro inverte, a operação trava. É por isso que políticas de priorização do consumo social, embora essenciais, precisam vir acompanhadas de mecanismos de financiamento ou acesso a moeda forte. Sem esse colchão, lote após lote, o parque produtor encolhe e as fábricas de ração ficam subutilizadas, tornando a retomada sempre mais cara do que a manutenção contínua teria sido.

MPMEs, dólar e um mercado cada vez mais segmentado

Com os insumos atrelados ao dólar, parte da produção migrou ou foi redirecionada para canais que transacionam em moeda forte. MPMEs e lojas on-line passaram a vender ovos a clientes com acesso a divisas, praticando preços compatíveis com os custos de importação. Do lado estatal, surgiram associações com Projetos de Desenvolvimento Local, também com vendas em dólar, para financiar a ração e manter as granjas ativas. O arranjo preserva alguma produção, mas amplia a distância entre quem pode pagar em moeda forte e quem depende do peso para comprar alimentos.

Na prática, formou-se um mosaico: uma parte da oferta vai para o consumo social, outra corre para canais dolarizados e o restante, menor, tenta chegar ao mercado tradicional. Essa divisão não ocorre sem custos. Ao estimular a sobrevivência de linhas produtivas, o mecanismo sustenta a capacidade instalada e evita fechamentos definitivos. Ao mesmo tempo, torna o processo de recomposição do abastecimento mais lento para a maioria dos consumidores, que seguem expostos a preços altos e disponibilidade irregular de ovos nas feiras e mercados locais.

Impactos por província: Ciego de Ávila, Holguín e além

Os casos de Ciego de Ávila e Holguín ajudam a dimensionar a crise em nível regional. Em Ciego de Ávila, um dos maiores polos do setor, a estatal local fechou 2024 com prejuízo acima de 149 milhões de pesos. A cifra reflete custos concentrados em ração e componentes importados, vendas em moeda doméstica e instabilidade no fornecimento. Quando a granja não consegue manter a dieta das poedeiras, a curva de postura se achata e o faturamento cai, agravando o ciclo de perdas e postergando investimentos essenciais para a retomada.

Em Holguín, o travamento veio do lado industrial. Sem milho e soja desde setembro de 2024, uma fábrica que em 2022 ainda moía 700 toneladas por ano interrompeu as operações por falta de matéria-prima. A consequência aparece em cadeia: produtores passam a racionar o pouco estoque, lotes entram em déficit nutricional e a oferta recua. Em outras províncias, relatos semelhantes mostram a mesma equação — sem insumos, não há como sustentar produção e, sem produção, os preços ao consumidor disparam.

O papel do consumo social e os limites da proteção

A prioridade ao consumo social tem sido a principal barreira contra um desabastecimento ainda maior. De novembro de 2024 a junho de 2025, pelo menos 109,3 milhões de ovos foram destinados a programas públicos, garantindo refeições em escolas e hospitais. Essa canalização, somada às produções cooperativas, segurou a oferta mínima para serviços essenciais. Sem esse escudo, a quebra poderia ter sido mais aguda em regiões com menor presença do varejo dolarizado e menor fluxo de turistas, que ajudam a sustentar alguns canais de venda em moeda forte.

O modelo, no entanto, não resolve o desequilíbrio de fundo entre custos e receitas. Enquanto a ração continuar atrelada ao dólar e a maior parte das vendas ocorrer em pesos, as contas tendem a não fechar sem um mecanismo robusto de financiamento. As parcerias com MPMEs e PDLs aliviam, mas não substituem a necessidade de crédito estruturado e logística previsível. Até que um desses pilares se estabilize, a tendência é de oscilação: quando entra um lote de insumos, a produção melhora; quando não entra, volta a cair, com impacto imediato no preço ao consumidor.

Pontos de atenção para os próximos meses

Do lado operacional, três variáveis devem ser acompanhadas de perto: calendário de importação de milho e soja, comportamento do câmbio e financiamento de capital de giro. Se uma fábrica de ração consegue prever e financiar três ou quatro meses de insumos, cria-se um colchão que impede quedas abruptas de postura. No cenário oposto, a cada atraso no porto surge um novo “buraco” produtivo que só será sentido plenamente semanas depois, quando a curva de postura do lote já tiver descido e a recuperação demandar novos investimentos.

Também pesam as decisões sobre alocação de ovos entre consumo social, varejo em pesos e canais dolarizados. Em ambientes de escassez, a priorização costuma proteger serviços públicos e garantir o mínimo para populações mais vulneráveis. O desafio é fazer isso sem estrangular completamente a venda em pesos, que dá liquidez à operação e ajuda a manter granjas abertas. Um ajuste fino nessa distribuição pode reduzir as filas e evitar que todo o produto comecem a migrar para nichos restritos por causa de margens superiores.

Do ponto de vista técnico, a recomposição do plantel não acontece de um mês para o outro. A recria de frangas até o início da postura leva perto de cinco meses, e o pico produtivo vem depois. Por isso, as decisões tomadas entre setembro e dezembro de 2025 terão reflexos diretos no abastecimento do primeiro semestre de 2026. Quanto mais intermitente for a compra de ração e insumos agora, mais tardia e irregular será a oferta de ovos adiante, mantendo a cadeia em estado de alerta e os preços sob pressão.

Como a crise afeta o dia a dia do produtor e do consumidor

Para o produtor, a principal mudança está no planejamento. Em vez de programar lotes com base em curvas padrão de postura, ele precisa acompanhar diariamente o nível de ração disponível e o status de importações. Isso implica reduzir densidade em aviários, postergar alojamentos e readequar idade de descarte para equilibrar custos de manutenção com a queda de produtividade. Cada ajuste tem efeito colateral, seja em peso corporal das aves, seja em uniformidade e rendimento por lote, exigindo manejo mais preciso e planilhas atualizadas a cada semana.

Do lado do consumidor, a rotina de compras se tornou incerta. Preços variam por bairro e por dia, dependendo de quando chega um lote ao ponto de venda. Em muitos casos, as famílias passam a comprar meio dúzia ou uma dúzia apenas quando o preço cabe no bolso, abandonando a prática de manter ovos sempre disponíveis em casa. Restaurantes e padarias ajustam cardápios, substituem receitas ou encolhem porções. O efeito agregado é claro: menos ovos em circulação, tickets médios mais altos e uma sensação de instabilidade que dificulta o planejamento do orçamento doméstico.

Por que a avicultura não se recupera rápido

Mesmo quando há liberação de insumos, a retomada leva tempo. A ave responde relativamente rápido à melhora da dieta, mas recuperar um pico de postura perdido é mais difícil. Lotes que passaram por déficit nutricional no início da fase de postura tendem a ter picos mais baixos e curvas mais curtas. Além disso, o produtor precisa recompor a biossegurança, recalibrar climatização, revisar equipamentos e redesenhar o calendário de vacinação. Tudo isso demanda dinheiro e previsibilidade, dois itens que dependem diretamente da estabilidade de importações e do câmbio.

Outro obstáculo é a confiança. Sem garantia de que haverá ração para os meses seguintes, granjas adiam investimentos em alojamento e manutenção. Esse atraso se soma ao ciclo biológico e atrasa a normalização da oferta. A cadeia toda funciona como um sistema: incubatórios, recria, fábricas de ração e granjas precisam caminhar juntos. Quando um elo falha, os demais perdem ritmo e a recuperação fica mais longa e cara. É por isso que medidas pontuais aliviam, mas não resolvem a base do problema quando o financiamento e a logística continuam instáveis.

Sinais a acompanhar no curto prazo

Três sinais devem orientar quem acompanha o tema. Primeiro, a entrada regular de milho e soja em fábricas-chave como as de Holguín e outras praças industriais. Segundo, a evolução do câmbio, que define a capacidade de importar ração e prem misturas. Terceiro, a permanência ou saída de entidades não estatais das “produções cooperativas”. Se houver novo recuo de parceiros privados, a pressão sobre o consumo social tende a aumentar, e os preços no varejo podem subir novamente, inclusive nos canais dolarizados, pela menor oferta total.

Também merecem atenção os relatórios de produção por província e os balanços das estatais do setor. Indicadores como mortalidade, conversão alimentar e postura por ave alocada ajudam a prever a trajetória de oferta mesmo antes de o produto chegar ao varejo. Quando esses índices pioram, a chance de ver estoques menores nas semanas seguintes aumenta. Com esse quadro, as famílias e comerciantes devem se preparar para variações de preço e disponibilidade até que a cadeia recupere a previsibilidade perdida desde 2024.



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