Negociações com o Vietnã ganham força
Grandes frigoríficos brasileiros abriram uma frente de negociações com importadores do Vietnã para acelerar a habilitação sanitária de até 86 plantas e ampliar as vendas de carne bovina ao país asiático. Uma comitiva com representantes de 17 empresas esteve em Hanói para reuniões diretas com compradores locais e autoridades, movimento que sinaliza mudança de rota nas exportações diante da retração do mercado dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o setor passou a defender a discussão de um Acordo de Livre Comércio entre Mercosul e Vietnã para reduzir tarifas e dar previsibilidade às operações.
A abertura do mercado vietnamita para a carne do Brasil ocorreu em março e, por ora, apenas duas unidades da JBS — em Mozarlândia e Goiânia, ambas em Goiás — receberam a aprovação oficial para exportar. As demais plantas seguem em processo de avaliação. As empresas acreditam que, com avanços regulatórios e ajustes logísticos, o Vietnã pode se consolidar rapidamente como destino relevante, com potencial estimado de importação de até 100 mil toneladas anuais, o que colocaria o país entre os cinco principais clientes da proteína brasileira.
Contexto: crise nos EUA pressiona mudança de rota
A ofensiva no Sudeste Asiático ocorre em meio à piora do cenário nos Estados Unidos, segundo maior comprador da carne bovina brasileira. Na semana passada, os EUA passaram a taxar produtos brasileiros em 50%, medida que encareceu embarques e reduziu a previsibilidade das vendas. Empresas e analistas avaliam que a perda de margem nesse mercado exige reação rápida, com diversificação de destinos e revisão da malha logística, para evitar impacto mais forte nas escalas de abate e no fluxo de caixa do setor.
Com a taxação mais alta, frigoríficos começaram a redirecionar cargas e a renegociar contratos. A perspectiva é que, no curto prazo, os EUA percam espaço no ranking de destinos, abrindo espaço para países com tarifas mais competitivas e janelas regulatórias favoráveis. Nesse contexto, o Vietnã aparece como alternativa por reunir demanda em crescimento, bom acesso marítimo e interlocução ativa entre governos, o que pode encurtar prazos de habilitação. O México também ganhou relevância e, até 28 de julho, superou os norte-americanos, assumindo a segunda posição entre os maiores importadores, atrás apenas da China.
O que muda com a habilitação de até 86 plantas
A habilitação sanitária é o passo central para elevar volume e frequência de embarques. Cada planta precisa ser aprovada individualmente pelo serviço veterinário do país de destino, com base em dossiês, auditorias e comprovação de controle de qualidade. Ao falar em até 86 plantas, a indústria indica que pretende diluir riscos comerciais, ganhar capilaridade regional e aproveitar melhor a sazonalidade da oferta de animais nas principais praças pecuárias. Mais unidades aptas significam maior flexibilidade operacional e capacidade de atender pedidos com especificações distintas de cortes e prazos.
Na prática, a lista ampla de estabelecimentos permite montar um portfólio ajustado às exigências do comprador vietnamita. Unidades com experiência em mercados exigentes tendem a sair na frente, pois já operam com sistemas de controle rigorosos, rastreabilidade e padronização de processos. Para os importadores, esse conjunto de plantas amplia a competição entre fornecedores brasileiros por preço, prazos e mix de produtos, favorecendo contratos de médio prazo e reduzindo a dependência de um único exportador. Para o Brasil, a aprovação simultânea de diversas unidades ajuda a desconcentrar o risco e a sustentar volumes mesmo em períodos de manutenção ou ajustes sazonais.
A comitiva em Hanói e o papel das grandes empresas
A ida de representantes de 17 empresas a Hanói levou para a mesa as pautas mais sensíveis: calendário de inspeções, harmonização documental, parâmetros de rotulagem e modal logístico. JBS, Marfrig, Minerva e Masterboi integraram as discussões e buscaram alinhamento direto com mais de dez compradores locais. O diálogo presencial encurta o tempo de resposta, ajuda a esclarecer dúvidas técnicas e costuma acelerar etapas que, à distância, demoram semanas. Também permite aos importadores conhecerem o perfil de cada grupo, as certificações já disponíveis e a capacidade de resposta a picos de demanda.
Além da pauta sanitária, executivos defenderam a abertura de conversas sobre um acordo comercial entre Mercosul e Vietnã. A avaliação é que uma redução tarifária pode nivelar a concorrência com players tradicionais do Hemisfério Sul e do Norte, como Austrália, Nova Zelândia, União Europeia, Rússia e Canadá. Essas origens costumam operar com condições aduaneiras mais estáveis no mercado vietnamita, o que pesa nas decisões de compra. A ideia é construir regras claras, previsíveis e com cronograma de redução de tarifas, criando um ambiente mais competitivo para a carne brasileira.
Potencial de demanda: por que o Vietnã entrou no radar
Estimativas do setor apontam potencial para até 100 mil toneladas por ano, volume suficiente para colocar o Vietnã entre os cinco maiores destinos da carne brasileira. Trata-se de um mercado com consumo crescente de proteína animal, cadeias de varejo em expansão e forte presença de serviços de alimentação. A classe média urbana vem ganhando peso e demanda cortes com padronização e segurança alimentar, atributos nos quais os frigoríficos do Brasil investiram nos últimos anos. Ao mesmo tempo, o país asiático tem tradição em processamento, o que abre espaço para itens de dianteiro e miúdos, adicionando valor a partes menos demandadas no mercado doméstico.
Outro atrativo é a capacidade de o Vietnã operar como hub regional, com reexportação de produtos processados e maior integração a rotas do Sudeste Asiático. Isso permite contratos que combinam fornecimento regular, volumes sazonais e lotes destinados a transformação industrial. Para os frigoríficos, a diversificação de cortes solicitados pelo comprador vietnamita ajuda a melhorar o “aproveitamento do boi”, reduzindo sobras e aumentando a rentabilidade média por carcaça. Em um momento em que tarifas e prazos apertam margens em outras praças, essa eficiência faz diferença no resultado.
Como funciona a habilitação sanitária até a liberação do embarque
A habilitação começa com o envio de um dossiê técnico às autoridades do país importador. O documento reúne informações sobre controles de qualidade, análises laboratoriais, procedimentos de abate, desossa e armazenagem, além de registros de auditorias internas e externas. Em seguida, ocorre a análise documental e, se necessário, a programação de uma inspeção in loco. Nessa visita, técnicos checam o cumprimento de normas, conferem registros por amostragem e avaliam a infraestrutura da planta, do abatedouro às câmaras frias.
Aprovada a inspeção, as autoridades publicam a lista de unidades habilitadas e detalham o escopo da autorização, como tipos de cortes, exigências de rotulagem e prazos de validade. O exportador trata da emissão dos certificados veterinários internacionais, que contêm as cláusulas sanitárias acordadas entre os países. Com a documentação em ordem, a carga é consolidada e segue para o porto de origem. No destino, passa por inspeção de chegada e liberação aduaneira. Cada etapa agrega dias ao cronograma, por isso as empresas buscam reduzir retrabalho documental e harmonizar padrões, encurtando o intervalo entre a venda e a chegada ao cliente.
Logística: rotas, prazos e custos até os portos vietnamitas
Os embarques para o Vietnã costumam partir de portos como Santos, Paranaguá e Rio Grande, com escalas que variam conforme a companhia marítima e a época do ano. O trânsito porta a porta, incluindo consolidação, estufagem do contêiner refrigerado e desembaraço, costuma levar de cinco a sete semanas, a depender da rota escolhida, da janela de transbordo e do nível de congestionamento nos terminais asiáticos. Ao planejar contratos, importadores e exportadores consideram essa janela de tempo para calibrar estoques, evitando falta de produto ou sobreposição de lotes próximos ao vencimento.
No cálculo do custo logístico entram o frete marítimo, o aluguel e a energia do contêiner refrigerado (reefer), as taxas de terminal e os seguros. A volatilidade do preço do bunker (combustível) e a disponibilidade de equipamentos reefer afetam a tarifa final. Para mitigar riscos, as empresas costumam fechar parte do volume com contratos de longo prazo com armadores e deixar uma fatia para o mercado spot, aproveitando janelas de oportunidade. Também é prática comum testar mais de um porto de chegada — como Hai Phong e Cai Mep — para comparar tempos de liberação e custos portuários.
Tarifas e concorrência: onde o Brasil precisa avançar
O principal ponto de atenção está nas tarifas de importação. Países como Austrália e Nova Zelândia já operam com condições favorecidas em parte dos acordos firmados na região, o que reduz o preço final ao consumidor e amplia a previsibilidade dos contratos. A União Europeia, a Rússia e o Canadá também disputam espaço com diferentes perfis de fornecimento, do produto in natura ao processado. Sem um acordo que reduza alíquotas, a carne brasileira enfrenta um degrau tarifário que, em alguns cenários, supera a vantagem de custo produtivo conquistada no campo e na indústria.
Por isso, a proposta de discutir um Acordo de Livre Comércio entre Mercosul e Vietnã ganhou tração junto ao esforço empresarial. A lógica é combinar habilitação sanitária ampliada e redução gradual de tarifas para dar escala e regularidade às vendas. Com regras claras, a tendência é aumentar a concorrência entre fornecedores, estimular investimentos em plantas dedicadas e permitir contratos plurianuais com cláusulas de reajuste mais objetivas. O efeito esperado é maior previsibilidade de preço para o comprador vietnamita e ganho de participação do Brasil nesse mercado.
China segue no radar: protocolos e rastreabilidade em negociação
A aproximação com o Vietnã integra uma estratégia mais ampla do Brasil na Ásia. Com a China, seguem as conversas para um novo protocolo de certificação e rastreabilidade de produtos agropecuários. Essa agenda inclui padrões setoriais desenvolvidos pela Embrapa, como CCN (Carne Carbono Neutro) e CBC (Carne Baixo Carbono), que agregam camadas de verificação ao longo da cadeia. Para os exportadores, a harmonização de critérios técnicos facilita a gestão de lotes destinados a diferentes mercados, reduzindo custo administrativo e margem de erro em documentação.
A coordenação com a China é relevante porque o país segue como principal destino da carne bovina brasileira. Ao alinhar regras de certificação, as empresas conseguem operar com estoques “multidestino”, isto é, que podem ser rapidamente redirecionados conforme preço e demanda. Essa flexibilidade dá fôlego em momentos de mudança abrupta em mercados específicos — como ocorreu com os Estados Unidos — e ajuda a evitar interrupções nas plantas. Em paralelo, negociações com outros países do Sudeste Asiático podem se beneficiar de práticas já validadas no comércio com os chineses.
México em alta e efeitos sobre o fluxo de caixa das indústrias
Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio indicam que, até 28 de julho, o Brasil alcançou volume histórico de exportações globais de carne bovina, apesar da queda nas vendas para os EUA. Nesse intervalo, o México ganhou importância e superou os norte-americanos, assumindo a segunda posição entre os maiores importadores. O avanço mexicano ajuda a sustentar a ocupação das plantas e compensa parte da perda de margem causada por tarifas mais altas em outros destinos, com impacto direto na geração de caixa das empresas do setor.
Para os frigoríficos, a combinação México–Vietnã–China reduz a dependência de um único comprador e permite ajustar o mix de cortes conforme a necessidade de cada mercado. O México tende a demandar cortes específicos e volumes regulares; o Vietnã, além do produto in natura, consome itens para processamento; a China mantém forte apetite por diferentes tipos de cortes. Essa complementaridade melhora o escoamento da produção e tende a suavizar oscilações de preço ao produtor no mercado interno, sobretudo em períodos de maior oferta de animais prontos para abate.
Impacto ao pecuarista: prazos de pagamento e qualidade do boi
A mudança de rota das exportações tem reflexos no campo. Quando a indústria encontra novos destinos e contratos de médio prazo, a previsibilidade de demanda aumenta, e os prazos de pagamento tendem a ficar mais estáveis. Em mercados com janelas logísticas mais longas, como o asiático, o planejamento de abate ganha importância: o frigorífico ajusta a escala para coincidir produção, consolidação e embarque. Para o pecuarista, isso pode significar maior competição entre plantas na compra de boiadas em regiões próximas às unidades habilitadas ao Vietnã, com efeitos pontuais nos preços de balcão.
Outro ponto é a padronização. Compradores vietnamitas costumam exigir especificações consistentes de acabamento, peso de carcaça e conformidade com protocolos de controle. Lotes mais homogêneos, com documentação organizada e histórico de manejo claro, tendem a ter escoamento mais rápido. Em um ambiente competitivo, a regularidade na entrega e a aderência a exigências técnicas pesam tanto quanto o preço nas negociações. Com a habilitação de mais plantas, produtores integrados a esses padrões podem ganhar acesso a programas de compra com bonificações por qualidade.
O mix de produtos: do dianteiro para processamento aos cortes premium
O apetite do Vietnã por itens destinados à transformação industrial cria demanda por cortes de dianteiro e miúdos, que têm menor saída no varejo brasileiro. Isso melhora o aproveitamento do animal e aumenta a captura de valor em linhas que tradicionalmente sofrem com volatilidade de preço. Para o exportador, esse perfil permite organizar lotes específicos por cliente, combinando caixas de cortes para processamento com itens que atendem nichos de food service. O resultado é um portfólio mais equilibrado, com melhor giro de estoque e menor risco de encalhe de peças.
Há espaço também para cortes premium, voltados a restaurantes e redes de varejo que atendem consumidores com maior poder aquisitivo. A construção dessa categoria depende de constância na qualidade e comunicação clara das especificações técnicas. Para as plantas, isso exige controle de temperatura rigoroso, desossa padronizada e embalagens adequadas ao tempo de viagem. Ao diversificar, o exportador consegue negociar diferentes faixas de preço e fidelizar clientes, reduzindo a dependência de um único tipo de produto e ampliando a margem média.
Rotulagem, idiomas e documentação: cuidados que aceleram a liberação
A etapa de rotulagem tem peso na liberação no destino. Erros simples — como diferenças entre o peso líquido impresso e o declarado nos documentos, ou abreviações não reconhecidas — geram retrabalho e podem resultar em retenção da carga no porto. Empresas que destinam volumes relevantes ao mercado vietnamita tendem a padronizar etiquetas com campos em inglês e vietnamita, seguindo modelos previamente validados pelos importadores e pelas autoridades locais. Esse cuidado reduz pedidos de correção e evita devoluções de documentos.
Outra frente é a consistência entre certificados veterinários, faturas comerciais e listas de embalagem. Divergências de nomenclatura de cortes, descrição incorreta do tipo de embalagem e falhas em datas de produção e validade geram atrasos. Equipes treinadas e checklists específicos para o Vietnã ajudam a antecipar exigências e a encurtar o tempo entre a chegada do contêiner e a liberação para distribuição. Esse ganho operacional pesa no custo final e conta a favor do fornecedor na hora de negociar renovação de contratos.
Finanças: câmbio, frete e formação de preço ao cliente final
A formação de preço na exportação considera três eixos principais: câmbio, frete e tarifa. Variações cambiais alteram a competitividade do produto brasileiro de uma semana para outra. Em momentos de dólar mais forte, o exportador ganha fôlego para conceder descontos e ainda preservar margens; quando a moeda recua, a negociação tende a ficar mais apertada, e entram em cena prazos e serviços agregados, como financiamento de curto prazo e seguro de crédito à importação. O frete marítimo, por sua vez, tem oscilado com sazonalidade e disponibilidade de contêineres, exigindo atenção na montagem de contratos.
As tarifas no destino completam a equação. Em mercados onde concorrentes possuem alíquotas menores, cada ponto percentual conta. Uma redução tarifária negociada entre blocos, ainda que gradual, pode mudar o patamar da carne brasileira nas prateleiras e nos cardápios. Enquanto isso não ocorre, as empresas buscam compensar com eficiência logística, padronização e fidelização de clientes, minimizando custos invisíveis como atrasos de liberação, reetiquetagem e armazenagem adicional. A soma desses fatores determina a competitividade do Brasil frente a origens tradicionais no Vietnã.
Perguntas e respostas: o que acompanhar daqui para frente
Quantas plantas podem ser habilitadas? O setor trabalha com a expectativa de até 86 unidades, distribuídas por diferentes estados. A aprovação não ocorre de uma vez: depende de análise documental e, em alguns casos, de auditorias presenciais. À medida que lotes de plantas são habilitados, a capacidade de resposta do Brasil aumenta, e novos contratos podem ser fechados com prazos mais curtos de entrega.
O Vietnã pode virar segundo maior mercado? O potencial de até 100 mil toneladas anuais coloca o país entre os cinco principais destinos, mas a posição exata dependerá da velocidade de habilitação, da evolução das tarifas e do comportamento de compras de China e México. Em um cenário de liberação rápida e acordos comerciais em andamento, o Vietnã tende a ganhar participação de forma consistente.
Calendário provável e marcos de curto prazo
Os próximos marcos passam pela divulgação de novas listas de plantas aprovadas, pela definição de modelos de certificados veterinários e pela confirmação de rotas marítimas com janelas estáveis. Cada um desses pontos remove incertezas operacionais e acelera a construção de contratos maiores. A indústria espera que, com a troca contínua de informações com Hanói, a tramitação burocrática se torne mais previsível, reduzindo o tempo entre o protocolo do dossiê e a autorização efetiva de embarques.
No front comercial, a meta é fechar contratos que combinem volumes base e lotes adicionais sob demanda, permitindo resposta a flutuações sazonais. Entre importadores, cresce o interesse por relações de fornecimento estáveis, com prazos e penalidades claros. A entrada gradual de novos fornecedores brasileiros tende a intensificar a concorrência por preço e serviço, oferecendo ao Vietnã opções com diferentes perfis de cortes e prazos de entrega.
Como as empresas estão se preparando para atender o mercado vietnamita
Frigoríficos ajustaram rotinas de produção e documentação para atender requisitos do Vietnã. Equipes de qualidade revisaram Procedimentos Operacionais Padrão, reforçaram treinamentos e atualizaram checklists de rotulagem. Ao mesmo tempo, departamentos comerciais mapearam clientes com histórico de compras consistentes e alinharam expectativas sobre prazos, tipos de cortes e níveis de serviço. A integração entre áreas operacional, logística e vendas é decisiva para evitar gargalos e cumprir datas de embarque.
Na logística, as companhias têm testado diferentes rotas de transbordo para combinar custo e tempo de viagem. Em paralelo, contratos com armadores incluem cláusulas de prioridade para contêineres refrigerados e prazos de free time compatíveis com o ritmo de liberação nos portos vietnamitas. No campo, a mensagem é de previsibilidade: escalas de abate alinhadas a janelas de embarque reduzem o tempo de estocagem em câmaras frias e preservam a qualidade do produto até a chegada ao cliente.
Efeito no varejo brasileiro e no preço ao consumidor
Movimentos de exportação impactam o mercado doméstico, mas de forma desigual entre cortes. Quando cresce a demanda externa por dianteiro e itens para processamento, pode ocorrer alívio pontual na oferta de traseiro nobre no Brasil, com reflexos nos preços desses cortes. O inverso também é verdadeiro: se um mercado externo busca peças de maior valor agregado, o varejo local nota maior pressão nessas categorias. Os efeitos variam por região, intensidade dos embarques e perfil de consumo das famílias.
Para o consumidor, o que mais pesa no curto prazo é o equilíbrio entre oferta de boi terminado, custo de reposição na pecuária e ritmo de exportações. A ampliação de destinos ajuda a suavizar solavancos, pois permite à indústria alternar canais conforme as condições de preço e logística. Em fases de maior escoamento externo, redes de varejo costumam planejar promoções com antecedência e negociar prazos com fornecedores para acomodar a sazonalidade sem repasses abruptos ao consumidor final.
Riscos e pontos de atenção no caminho ao Sudeste Asiático
Apesar do potencial, o avanço no Vietnã exige cautela. A agenda de auditorias pode esbarrar em limitações de calendário, e ajustes documentais tomam tempo. Além disso, a competição com origens tradicionais pressiona preços. Oscilações no frete, por questões de oferta de navios e gargalos portuários, também pesam. Ter flexibilidade contratual, diversificar rotas e manter diálogo ativo com o importador são práticas que reduzem imprevistos e protegem margens.
Outro ponto de atenção é a adaptação a exigências específicas de rotulagem e validação de traduções. Pequenas discrepâncias podem levar a retenções de carga. Por isso, equipes bilíngues e consultorias locais costumam ser acionadas na fase inicial do relacionamento comercial. À medida que padrões se consolidam, o risco operacional diminui, e o ciclo entre venda, embarque e recebimento se torna mais previsível, permitindo negociações de volumes maiores.
Por dentro das plantas já habilitadas e a fila de candidatos
Duas unidades da JBS, em Mozarlândia e Goiânia, já têm luz verde para embarcar ao Vietnã. Ambas operam com histórico de exportação e conhecem os protocolos exigidos por mercados que demandam controle rigoroso de qualidade. A experiência acumulada ajuda a abrir caminho para outras plantas, que se espelham em procedimentos, listas de verificação e padrões de rotulagem já validados. O efeito esperado é uma curva de aprendizado mais rápida para as unidades que aguardam avaliação, reduzindo tempo de preparação e incidência de não conformidades.
Na fila, candidatos de diferentes estados aguardam inspeções e retorno documental. A seleção leva em conta aspectos como capacidade produtiva, histórico de conformidade, infraestrutura refrigerada e prontidão para atender especificações de cortes. Em paralelo, empresas ajustam lay-outs e processos internos para atender novas bases de clientes, o que inclui adequação de linhas de desossa, reforço no controle de temperatura e treinamento específico sobre requisitos de rotulagem do destino asiático.
O papel do diálogo governo a governo
A abertura do mercado vietnamita para a carne bovina brasileira, firmada em março, resultou de articulações diplomáticas e técnicas. O entendimento entre serviços veterinários acelera a troca de informações e a resolução de pendências. Quando há acordo sobre modelos de certificados e cláusulas sanitárias, a etapa de habilitação de plantas torna-se mais objetiva. Essa coordenação não elimina a necessidade de auditorias, mas reduz dúvidas interpretativas e encurta prazos de resposta.
O setor privado reforça essa ponte por meio de missões empresariais e associações que reúnem exportadores. Em conjunto, governo e indústria trabalham para alinhar documentos, esclarecer exigências e organizar cronogramas de inspeção. O objetivo é estabelecer uma rotina de comércio com menor volatilidade e mecanismos claros para a solução de divergências técnicas, criando um ambiente favorável ao aumento gradual dos volumes exportados.
Por que a diversificação de mercados importa para o Brasil
A experiência recente com os Estados Unidos mostrou como mudanças repentinas em tarifas e regras podem afetar margens e cronogramas de embarque. Ao diversificar destinos, o Brasil dilui riscos e ganha poder de negociação. Isso vale tanto para contratos de grande porte quanto para operações recorrentes de médio volume. Mercados com sazonalidades distintas permitem otimizar o uso das plantas ao longo do ano, evitando ociosidade e picos de estoque.
No médio prazo, a presença simultânea em China, México e Vietnã cria um triângulo comercial com perfis de compra complementares. O resultado é uma matriz de vendas menos vulnerável a choques pontuais. Para manter essa posição, a indústria aposta em padronização de processos, documentação robusta e disciplina logística, ativos que pesam tanto quanto preço na escolha do fornecedor em um mercado global competitivo.
Sinais para o investidor e para a cadeia de suprimentos
A busca por habilitação de até 86 plantas e a agenda de missões comerciais enviam sinais ao mercado financeiro. Mais destinos e maior previsibilidade de vendas tendem a reduzir volatilidade de resultados e a sustentar planos de investimento em modernização de unidades, automação de linhas e ampliação de câmaras frias. Fornecedores de embalagens, transportadoras e operadores logísticos também se beneficiam de contratos mais longos e de um calendário de embarques definido com antecedência.
Para a cadeia de suprimentos, a mensagem é de coordenação. Processadores, armazéns alfandegados, escritórios de despacho e laboratórios precisam sincronizar entregas e laudos para evitar gargalos. A consolidação de rotas ao Vietnã, somada à manutenção de fortes laços com China e México, pode trazer escala suficiente para justificar ganhos de eficiência, como janelas dedicadas em terminais e priorização de equipamentos refrigerados, encurtando prazos e reduzindo custos indiretos.