Inspeção encontra gestantes expostas a níveis perigosos de ruído em frigorífico de Marau

Inspeção encontra gestantes expostas a níveis perigosos de ruído em frigorífico de Marau

Inspeção realizada entre 10 e 14 de março de 2025 em duas unidades da BRF em Marau, na Serra do Rio Grande do Sul, encontrou trabalhadoras gestantes expostas a níveis perigosos de ruído. Com base nas irregularidades constatadas, o Ministério Público do Trabalho (MPT) obteve uma liminar na Justiça do Trabalho determinando o afastamento imediato de gestantes de ambientes com nível de ação de ruído igual ou superior a 80 decibéis (dB). A decisão, segundo o MPT, é a primeira do gênero sobre o tema no país e vale para os parques industriais de abate de aves e de produtos industrializados da companhia no município.

Decisão determina afastamento de gestantes de áreas com ruído de 80 dB ou mais

A liminar concedida pela Justiça do Trabalho em Marau obriga a BRF a realocar, em até cinco dias, todas as gestantes que atuem em áreas com nível de ruído a partir de 80 dB, independentemente do estágio da gestação ou do uso de equipamentos de proteção individual. A determinação prevê manutenção integral de salário, benefícios e demais direitos trabalhistas durante a realocação, além de proibir o retorno a locais cujo ruído atinja ou supere o nível de ação previsto nas normas de segurança e saúde do trabalho.

O juiz do Trabalho substituto Vinicius de Paula Löblein também estabeleceu prazos para que a empresa comprove as providências adotadas. Em vinte dias, a companhia deve apresentar um relatório com a lista das trabalhadoras realocadas, informando o novo setor de lotação e as medições de ruído. Em noventa dias, terá de implantar um programa específico de gestão em saúde para proteção de gestantes, com identificação ativa de grávidas e avaliação dos riscos ocupacionais de cada posto de trabalho, incluindo ruído.

Como foi a inspeção e o que os fiscais encontraram

A ação fiscal ocorreu de 10 a 14 de março de 2025 e reuniu o MPT, a Secretaria de Inspeção do Trabalho e órgãos parceiros. As equipes vistoriaram as duas plantas da BRF em Marau: o frigorífico de abate de aves e a unidade de produtos industrializados. De acordo com dados informados ao eSocial, as duas fábricas somam cerca de 2,9 mil empregados. Durante a fiscalização, foram colhidos depoimentos, analisados documentos e realizados levantamentos técnicos, com medições ambientais para verificar níveis de ruído nos diferentes postos de trabalho.

Os fiscais identificaram 26 gestantes em atividade no dia da inspeção. Segundo o relatório, apenas três estavam alocadas em setores com ruído abaixo do nível de ação. As demais exerciam tarefas em ambientes cuja intensidade sonora ultrapassava 80 dB, com permanência por horas no mesmo local. O MPT considerou que essa exposição representava risco concreto e iminente à saúde das trabalhadoras e dos fetos, configurando descumprimento das Normas Regulamentadoras que tratam da prevenção de riscos ambientais e da insalubridade por ruído.

O que diz a legislação: NR-09, NR-15 e o nível de ação de 80 dB

A NR-09, que institui o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), e a NR-15, que trata das atividades e operações insalubres, estabelecem parâmetros para exposição ocupacional a ruído. Entre esses parâmetros está o nível de ação de 80 dB. Atingido esse patamar, a empresa tem deveres adicionais de gestão de risco, como monitoramento periódico, controle de engenharia e administrativas, treinamento e realocação em situações específicas de vulnerabilidade, incluindo gestantes, quando a exposição não puder ser eliminada de imediato. O nível de ação não é o limite máximo permitido; ele funciona como um gatilho para medidas preventivas obrigatórias.

A lógica é antecipar o risco antes que ele se converta em dano. Em linhas gerais, quanto mais cedo se intervier – seja reduzindo a fonte de ruído, isolando equipamentos, reorganizando turnos ou removendo a pessoa do agente nocivo –, maior a chance de evitar agravos à saúde. Em relação à gestação, a diretriz é ainda mais rigorosa. A legislação brasileira e protocolos técnicos nacionais reconhecem a necessidade de proteção reforçada a esse público, o que inclui afastamento de áreas de risco sempre que houver exposição a agentes físicos como o ruído em níveis que possam impactar o organismo materno e o feto.

Por que o ruído preocupa na gestação

O ruído é um agente físico com efeitos auditivos e não auditivos. A intensidade do som é medida em decibéis (dB). Em uma escala logarítmica, aumentos aparentemente modestos representam grandes saltos de energia: 10 dB equivalem a dez vezes a intensidade, 20 dB a cem vezes, 30 dB a mil, e assim por diante. Referências internacionais indicam que sons acima de 50 dB podem trazer prejuízos à saúde em exposições prolongadas, e a partir de 55 dB já há registros de estresse e outros efeitos negativos. Em torno de 75 dB, a exposição contínua por até oito horas diárias já se associa a risco de perda auditiva, dependendo do perfil de frequência e do tempo de exposição.

Para as gestantes, o ponto central vai além do ouvido. O ruído excessivo está relacionado a alterações do sono, do sistema cardiovascular e de hormônios, além de impactos vestibulares, digestivos, comportamentais e de comunicação. Em julgamento com repercussão geral (Tema 155), o Supremo Tribunal Federal reconheceu que efeitos não auditivos do ruído não são neutralizados por protetores auriculares. Ou seja, mesmo quando os equipamentos de proteção ajudam a atenuar o som percebido pela trabalhadora, o organismo pode seguir sofrendo com vibração e outros estímulos físicos. O feto, por sua vez, não tem qualquer forma de proteção direta, motivo pelo qual a realocação tende a ser a medida mais segura nesse período.

Medidas impostas pela Justiça e prazos de cumprimento

A decisão judicial estabelece três frentes. A primeira é emergencial: em cinco dias, a empresa deve se abster de manter gestantes em áreas com nível de ruído igual ou superior a 80 dB e realocar todas aquelas atualmente expostas. A medida vale para quaisquer atividades e turnos. A segunda frente é estrutural: em noventa dias, precisa ser implementado um programa específico de gestão em saúde para proteção de gestantes, com fluxo claro de identificação da gravidez, avaliação do posto de trabalho e realocação obrigatória quando houver exposição a agentes nocivos, incluindo ruído. A terceira é de transparência: em vinte dias, a empresa deverá apresentar relatório comprovando as realocações e as medições nos novos setores.

O despacho judicial ainda ressalta que as realocações não podem resultar em redução de remuneração, perda de benefícios ou supressão de direitos. A orientação é remanejar as trabalhadoras para funções compatíveis que estejam fora de áreas críticas, assegurando a continuidade do contrato e das atividades com segurança. O cumprimento integral e dentro dos prazos será acompanhado pelos órgãos de fiscalização, que podem voltar às unidades para verificar as condições de trabalho e a efetividade das mudanças empreendidas pela empresa.

Multas previstas e valor pedido por dano moral coletivo

O não cumprimento das obrigações impostas pela liminar pode gerar multas de R$ 50 mil por item descumprido e de R$ 2 mil por gestante prejudicada. As penalidades têm efeito pedagógico e visam evitar a repetição de condutas que coloquem em risco a saúde e a segurança de trabalhadoras. Além das obrigações de fazer e não fazer, o MPT requereu a condenação da empresa ao pagamento de indenização por dano moral coletivo em valor não inferior a R$ 10 milhões, considerando a gravidade do quadro encontrado e a quantidade de pessoas potencialmente expostas.

O valor pedido toma como referência indicadores financeiros da companhia, como capital social estimado em R$ 13,6 bilhões e lucro líquido de R$ 3,7 bilhões no ano de 2024. De acordo com o MPT, os R$ 10 milhões equivalem a 0,07% do capital social e 0,27% do lucro daquele período. O mérito da Ação Civil Pública (ACP) ainda será julgado, e a reparação eventualmente fixada poderá ser direcionada a projetos e ações de interesse coletivo a serem definidos pela Justiça do Trabalho.

Linha do tempo: inspeção, TAC e nova ida à Justiça

Entre 10 e 14 de março de 2025, a fiscalização conjunta identificou as principais irregularidades e registrou a exposição de gestantes a ruído acima do nível de ação. Ao fim da inspeção, um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) emergencial foi firmado para corrigir de imediato os pontos mais críticos, com a ordem de afastar gestantes de ambientes ruidosos. Posteriormente, segundo o MPT, a empresa teria reincidido na prática e recusado a assinatura de um TAC mais amplo, que contemplaria todas as irregularidades verificadas na vistoria.

Diante do impasse, o MPT no Rio Grande do Sul ajuizou a ACP e pediu tutela de urgência para assegurar a proteção das gestantes antes do julgamento final. Em agosto de 2025, o pedido foi acolhido em decisão liminar, com imposição de prazos e obrigações para a BRF. Em 8 de agosto de 2025, em outra ação relacionada, o MPT já havia obtido liminar que obrigou a empresa a aprimorar vestiários, garantindo privacidade na troca de uniformes, medida que corre em paralelo ao caso do ruído.

Impacto prático para trabalhadoras e áreas de produção

A decisão judicial impacta setores de maior pressão sonora, comuns em linhas de abate, cortes, e processamento, onde há esteiras, motores, compressores e serras. Com a liminar, gestantes devem ser remanejadas para postos com medições comprovadamente abaixo de 80 dB. Na prática, a empresa terá de revisar escalas, ajustar layout, reforçar barreiras acústicas e, quando necessário, deslocar atividades administrativas ou de menor exposição para absorver temporariamente essas trabalhadoras, sem prejuízo de salário e benefícios.

Para as colaboradoras, o remanejamento reduz riscos de efeitos auditivos e não auditivos associados ao ruído e dá previsibilidade durante a gestação. Para a gestão fabril, o desafio é manter a produtividade com rearranjos de curta duração, garantir registros documentais das medições e alimentar rotinas de monitoramento capazes de comprovar, com dados, que os postos destinados às gestantes permanecem dentro dos parâmetros exigidos. A decisão também fortalece a cultura de prevenção ao exigir fluxos claros de atuação desde a confirmação da gravidez até o retorno ao posto original após o período gestacional e de licença.

O que diz a BRF sobre a liminar e a fiscalização

Procurada, a BRF informou que, até o momento, não havia sido notificada da decisão liminar relacionada ao afastamento de gestantes de áreas com ruído a partir do nível de ação. A companhia afirma manter programa de acompanhamento de gestantes com consultas periódicas, fornecimento de equipamentos de proteção individual e adequações de ambientes conforme a necessidade de cada colaboradora. A empresa sustenta que segue a legislação vigente e reitera compromisso com a segurança e a integridade de seus profissionais.

A manifestação da BRF ocorre em paralelo ao andamento da ACP proposta pelo MPT-RS. Após a ciência formal da decisão, é esperado que a companhia apresente suas razões e as providências que afirma já adotar. O acompanhamento dos prazos e eventuais impugnações processuais será feito pela Justiça do Trabalho, que poderá manter, alterar ou ampliar as medidas conforme a evolução do caso e as provas juntadas pelas partes.

Entenda a escala de decibéis e como medir o ruído no chão de fábrica

Os decibéis medem a pressão sonora em escala logarítmica. Isso significa que a sensação de aumento nem sempre é intuitiva: um ambiente de 80 dB não é apenas “um pouco” mais barulhento que outro de 70 dB; ele concentra cerca de dez vezes mais energia sonora. Em plantas industriais, o ruído vem de fontes variadas – motores, ventiladores, exaustores, compressores, impactadores, serras, batidas de peças, vibrações transmitidas por estruturas metálicas e pelo próprio fluxo de produção. Esses sons se somam e, dependendo do tempo de exposição, ampliam o risco de agravos à saúde.

A avaliação do ruído deve ser feita com instrumentos calibrados e conforme procedimentos técnicos reconhecidos. A medição inclui identificação de picos e média ponderada ao longo da jornada, levando em conta a frequência predominante e a duração da exposição. Para fins de gestão, as empresas precisam manter registros atualizados, anexar os resultados ao PGR e promover correções de engenharia. No caso de trabalhadoras gestantes, os dados devem embasar decisões rápidas de remanejamento para postos seguros, evitando qualquer permanência em locais que atinjam o nível de ação de 80 dB.

Perguntas e respostas: o que muda com a ordem judicial

Quem está protegido? Gestantes que trabalham nas unidades da BRF em Marau. A proteção se aplica a qualquer função, desde que o posto tenha ruído no nível de ação ou acima. As realocações devem ocorrer sem redução de salário ou de benefícios e independer do tempo de gestação. O objetivo é evitar exposição a ruído que, mesmo com protetores auriculares, pode gerar efeitos não auditivos relevantes para a saúde materna e fetal.

O que acontece se o prazo não for cumprido? A liminar prevê multas de R$ 50 mil por obrigação descumprida e de R$ 2 mil por gestante afetada. Essas penalidades podem ser executadas de forma cumulativa. A Justiça também pode determinar novas inspeções e, em caso de resistência, impor medidas adicionais. O MPT monitora as providências e pode peticionar nos autos pedindo reforço na fiscalização ou majoração de multa se identificar reiteradas desobediências.

Como deve ser o programa específico de proteção a gestantes

O programa exigido pela decisão tem de prever, no mínimo, identificação imediata da gestante, seja por comunicação da própria trabalhadora, seja por busca ativa da equipe de Segurança e Saúde no Trabalho. Em seguida, deve ser feita a avaliação do posto, com consulta às medições ambientais mais recentes e, se preciso, novas leituras de ruído. Se o local atingir o nível de ação de 80 dB, a realocação é obrigatória e deve ocorrer sem burocracia, priorizando postos com confirmação de níveis abaixo do patamar de risco e tarefas compatíveis com a condição da trabalhadora.

O documento precisa detalhar responsabilidades, prazos e fluxos de comunicação entre as áreas de produção, recursos humanos e saúde ocupacional. Também deve incluir treinamento específico para lideranças e equipes, orientando como agir ao confirmar uma gravidez. A manutenção de um banco de postos “seguros” com medições atualizadas facilita as trocas e reduz o tempo de resposta. A revisão periódica do programa serve para incorporar lições aprendidas e ajustar protocolos conforme a dinâmica da fábrica e eventuais mudanças tecnológicas.

Boas práticas para reduzir ruído e reorganizar setores sensíveis

Medidas de engenharia são o ponto de partida para enfrentar o ruído. Enclausurar máquinas, instalar barreiras acústicas, aplicar mantas de atenuação em trechos estruturais que transmitem vibração e revisar a manutenção de rolamentos e ventilações costumam trazer ganhos relevantes. No layout, substituir batidas metálicas por soluções de acoplamento, reduzir folgas e impactos nas esteiras e separar fisicamente áreas de alto e baixo ruído criam zonas de proteção onde gestantes podem atuar com segurança. A compra de equipamentos com especificações de ruído mais baixas é outra linha de defesa quando houver renovação de parque.

Do lado administrativo, rodízios curtos e pausas planejadas ajudam a diminuir a carga de exposição. Para gestantes, porém, a diretriz é realocar para postos abaixo do nível de ação, e não apenas reduzir o tempo em área ruidosa. Registros organizados – com mapas de ruído por setor e turnos – permitem decisões rápidas e baseadas em evidências. Treinar líderes para reconhecer sinais de fadiga e desconforto e abrir canais de comunicação sem barreiras agiliza o remanejamento sempre que houver indício de risco.

Direitos das trabalhadoras e como buscar ajuda dos órgãos de proteção

Trabalhadoras grávidas têm direito a um ambiente que não as exponha a agentes nocivos, como ruído no nível de ação. Ao identificar uma situação de risco, a primeira providência é comunicar a liderança e a área de saúde e segurança da empresa. Apresentar atestado ou confirmação médica da gravidez acelera a aplicação dos protocolos. Caso a resposta interna não seja adequada, a trabalhadora pode procurar o sindicato, o MPT ou a fiscalização trabalhista para formalizar a denúncia, preservando sua identidade quando necessário e fornecendo detalhes sobre o posto de trabalho, turnos e sintomas associados.

Registre datas, horários, nomes de gestores e, se possível, fotos das áreas onde o ruído é mais intenso. Informações objetivas ajudam a orientar inspeções e facilitar medidas urgentes. Mesmo com a liminar em vigor, relatos atualizados são importantes para confirmar o cumprimento da ordem judicial e garantir que nenhuma gestante permaneça em zonas de risco. A política é assegurar que as colaborações internas e as denúncias externas resultem em melhorias concretas no dia a dia de trabalho.

Contexto: o trabalho em frigoríficos e as principais fontes de ruído

Frigoríficos combinam maquinário pesado, fluxos contínuos e estruturas metálicas, o que naturalmente eleva a pressão sonora. Motores de esteiras, linhas de corte, ventiladores industriais, compressores de refrigeração e equipamentos que operam por impacto são fontes típicas de ruído. A temperatura baixa e a necessidade de comunicação em áreas amplas podem levar a aumento de voz e sinais sonoros, ampliando a carga acústica percebida. Sem controle, esse conjunto cria ambientes que frequentemente atingem ou superam o nível de ação das normas trabalhistas.

A gestão do ruído passa por mapear cada etapa do processo, do abate ao acondicionamento final. Setores com permanência prolongada de trabalhadores merecem atenção redobrada, assim como pontos de pico na partida de equipamentos. Monitorar condições em diferentes turnos e com variações de produção evita subestimar a exposição real. Para gestantes, a prioridade é alocar atividades em escritórios, áreas de inspeção com barreiras acústicas ou tarefas de apoio logístico que comprovadamente operem abaixo de 80 dB ao longo da jornada.

O papel do STF e a limitação dos protetores auriculares no tema do ruído

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 155 de Repercussão Geral, consolidou entendimento de que os efeitos não auditivos do ruído não são neutralizados pelo uso de protetores auriculares. Isso é relevante neste caso porque reforça que, embora o EPI seja importante, ele não substitui medidas de engenharia e administrativas nem afasta a necessidade de realocação de grupos vulneráveis, como gestantes, quando a exposição se mostra perigosa. Em termos práticos, a proteção efetiva exige reduzir o ruído na fonte e afastar a pessoa do agente nocivo.

Essa diretriz dialoga com as Normas Regulamentadoras e com a própria lógica das ações civis públicas na área trabalhista, que pretendem prevenir danos e não apenas indenizá-los depois. A decisão liminar em Marau segue esse caminho ao exigir ações imediatas, metas de curto prazo e comprovação documental. O debate sobre ruído no ambiente fabril, assim, deixa de se concentrar exclusivamente em perdas auditivas e passa a englobar um conjunto mais amplo de efeitos à saúde, especialmente relevantes durante a gestação.

Como a empresa pode documentar o cumprimento e evitar nova reincidência

Para demonstrar cumprimento, a companhia precisa manter planilhas de realocação com identificação das trabalhadoras, datas, setores de origem e destino, bem como laudos de medição de ruído nos novos postos. Relatórios fotográficos e mapas de calor por áreas ajudam a comunicar internamente onde estão as zonas seguras. A atualização do PGR com anexos específicos para gestantes e a guarda de comprovantes de treinamento compõem o dossiê a ser apresentado ao Judiciário nos prazos definidos pela liminar.

A prevenção de reincidências depende de liderança engajada e de um fluxo que não dependa apenas de iniciativas individuais. Um comitê semanal de segurança, com participação de produção, manutenção e saúde ocupacional, pode revisar casos ativos e ajustar rapidamente gargalos. A auditoria interna periódica, com checklists objetivos, dá sustentação a eventuais fiscalizações externas e reduz o risco de novas autuações ou de majoração de multas por descumprimento.

Situação processual e próximos passos na Justiça do Trabalho

A liminar é uma medida provisória que antecipa a tutela pretendida pelo MPT até o julgamento do mérito da ACP. Após a notificação, a empresa pode apresentar contestação e documentos, e o processo segue para instrução, com produção de provas e eventual realização de audiências. Ao fim, a sentença poderá confirmar, modificar ou revogar a liminar, além de definir a existência de dano moral coletivo e o valor de eventual indenização. Recursos às instâncias superiores podem ser interpostos pelas partes, conforme o resultado e os fundamentos da decisão.

Enquanto isso, os prazos fixados pela ordem judicial permanecem válidos. O foco recai sobre a imediata proteção das gestantes, com remanejamentos, implantação do programa específico em noventa dias e envio do relatório de realocação em vinte dias. O acompanhamento por parte do MPT e da fiscalização trabalhista tende a continuar, inclusive com a possibilidade de novas inspeções para verificar, na prática, a redução de exposição a ruído nas áreas fabris críticas.

Como ficam setores e funções típicos com maior pressão sonora

Em linhas de abate e corte, as fontes de ruído incluem serras, guilhotinas, acionamentos pneumáticos e impactos repetitivos. Em utilidades, compressores, bombas e torres de resfriamento elevam a pressão sonora. Em embalagens, a combinação de esteiras, seladoras e exaustores pode manter níveis elevados por longos períodos. Em todos esses cenários, o remanejamento de gestantes requer identificar tarefas de apoio, inspeção visual, conferência documental, controles de qualidade em áreas protegidas e rotinas administrativas compatíveis com os limites acústicos exigidos.

A estratégia não precisa comprometer a produtividade. Quando o planejamento considera previamente um “mapa de postos alternativos”, a transição ocorre com mínima fricção. A manutenção preventiva em dia reduz ruídos por desgaste, enquanto a substituição de componentes desbalanceados e a lubrificação adequada diminuem vibrações que se convertem em som. Em ambientes onde o ruído é inerente ao processo, a segregação física por painéis acústicos cria corredores seguros de circulação e ilhas de trabalho apropriadas para quem precisa de proteção reforçada.

Repercussão local e expectativa de fiscalização contínua em Marau

Marau concentra atividades industriais relevantes para a economia regional. A decisão envolvendo as unidades da BRF no município tende a repercutir em outras operações com condições semelhantes. Sindicatos e comissões internas de prevenção de acidentes devem acompanhar o cumprimento das medidas e levar às autoridades relatos de eventuais descumprimentos. Para o MPT e a fiscalização, o momento é de verificação prática das mudanças, com atenção aos relatórios de realocação e aos cronogramas de implantação do programa específico para gestantes.

A expectativa é que a rotina de monitoramento se intensifique nas próximas semanas, sobretudo nos setores historicamente mais ruidosos. A experiência pode, inclusive, orientar ajustes em outras plantas com configuração similar. O ponto central é transformar a liminar em resultados mensuráveis no chão de fábrica, assegurando que nenhuma gestante seja mantida em espaços cujo ruído atinja o nível de ação de 80 dB. O avanço será percebido no dia a dia a partir de remanejamentos ágeis, maior controle das fontes de som e documentação transparente das medições.

Dicas práticas para trabalhadoras e lideranças no cotidiano

Para a trabalhadora que confirmou a gravidez, comunicar a liderança e a área de saúde ocupacional é o primeiro passo. Peça a avaliação do seu posto com base nas medições mais recentes e verifique se há mapa de ruído por setor. Se o seu ambiente atingir 80 dB ou mais, solicite a realocação imediata e peça o registro formal desse pedido. Anote datas e pessoas envolvidas. Caso sinta sintomas como zumbido, tontura, dor de cabeça recorrente ou fadiga excessiva durante o turno, informe no mesmo dia e procure atendimento de saúde ocupacional.

Para lideranças, o protocolo é agir rápido. Tenha atualizado um banco de postos alternativos com medições consolidadas, priorizando setores confirmadamente abaixo de 80 dB. Providencie o remanejamento sem interrupção do vínculo e sem redução de remuneração. Registre em sistema e comunique a mudança à saúde ocupacional, ao RH e à segurança do trabalho. Mantenha reuniões curtas e frequentes com manutenção e produção para atacar pontos de ruído persistentes. A chave é prevenir exposição, documentar ações e garantir estabilidade nas novas tarefas durante a gestação.

Pontos a acompanhar nos próximos 90 dias

Os próximos três meses são decisivos para consolidar o programa específico de proteção a gestantes. Itens críticos incluem o fechamento do inventário de riscos com foco em ruído, a capacitação de lideranças de todos os turnos e a definição de um fluxo de comunicação que funcione 24 horas por dia, incluindo fins de semana, para reportar gestação e acionar remanejamentos. Outro ponto é estabelecer auditoria interna quinzenal com checklist objetivo: número de gestantes identificadas, setores de origem e destino, medições de ruído por posto e evidências das mudanças estruturais em andamento.

No plano técnico, a empresa deve priorizar intervenções de engenharia de maior impacto e menor tempo de implantação, como enclausuramento de máquinas específicas, revisão de compressores e substituição de componentes ruidosos. Em paralelo, é importante criar um painel de controle com indicadores simples – por exemplo, porcentagem de gestantes realocadas para áreas abaixo de 80 dB e tempo médio entre a comunicação da gravidez e a efetiva mudança de posto. Esses dados demonstram aderência à liminar e ajudam a evitar sanções.

Resumo do caso: fatos essenciais e o que está em jogo

A fiscalização entre 10 e 14 de março de 2025 identificou 26 gestantes nas unidades da BRF em Marau, com maioria exposta a ruído no nível de ação ou acima, contrariando as normas de segurança e saúde no trabalho. A Justiça do Trabalho concedeu liminar obrigando a realocação imediata dessas trabalhadoras para áreas abaixo de 80 dB, instituiu prazo de vinte dias para relatório de realocação e de noventa dias para um programa específico de proteção, com identificação ativa de gestantes e avaliação dos postos ocupados. O descumprimento pode gerar multas e novas medidas judiciais.

O MPT pede ainda indenização por dano moral coletivo mínima de R$ 10 milhões, com base em parâmetros financeiros da empresa. A BRF diz não ter sido notificada até o momento e afirma manter programas de acompanhamento e EPIs adequados. O mérito da ACP será examinado pela Justiça do Trabalho, que poderá confirmar, alterar ou revogar a liminar. Até lá, a prioridade é a proteção imediata das gestantes, com remanejamentos rápidos e medidas técnicas que reduzam o ruído nas áreas críticas.



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