O Brasil voltou a crescer na reciclagem de plásticos em 2024, com avanço de 7,8% após a queda de 2023. As embalagens pós-consumo alcançaram 24,4% de reciclagem mecânica e, considerando todos os tipos de plásticos, o índice ficou em 21%. A produção de resina pós-consumo (PCR) somou 1,012 milhão de toneladas no ano, segundo levantamento do Movimento Plástico Transforma, iniciativa do PICPlast, parceria entre a ABIPLAST e a Braskem, com execução técnica da consultoria MaxiQuim. O setor faturou R$ 4 bilhões, elevou a capacidade instalada para 2,43 milhões de toneladas e abriu 20.043 postos de trabalho diretos, sinalizando recuperação em volumes e atividade industrial.
Resultados do ano e o que muda para a cadeia
Os números de 2024 mostram um setor que voltou a ocupar espaço no fornecimento de matéria-prima. A taxa de 24,4% para embalagens sinaliza maior disponibilidade de material recuperado nas cidades e melhor desempenho na etapa industrial de reprocessamento. No agregado de plásticos, a marca de 21% confirma o retorno a uma trajetória de alta, depois da pressão de custos e da competição com resinas de primeiro uso registrada em 2023. O estudo aponta que a recuperação foi gradual e apoiada pelo avanço em linhas específicas de aplicação, com contratos que preveem conteúdo reciclado.
A produção de 1,012 milhão de toneladas de PCR ajuda a explicar o resultado. Em paralelo, 1,55 milhão de toneladas de resíduos pós-consumo foram encaminhadas às recicladoras para reprocessamento, volume 7,2% maior que o de 2023. A diferença entre material processado e PCR final reflete perdas inerentes ao processo, como remoção de impurezas e rejeitos, além de ajustes de qualidade. No balanço, a oferta de resina reciclada cresceu e encontra demanda consistente em embalagens, construção, agro e eletroeletrônicos, reduzindo a dependência de ciclos de preços de curto prazo.
Por que houve avanço em 2024
O relatório indica que a trincheira principal em 2024 esteve nos preços das resinas virgens, ainda pressionadas por um ciclo de baixa internacional. Isso limitou repasses e encurtou margens de parte das recicladoras. Mesmo assim, segmentos com metas formais de conteúdo reciclado mantiveram pedidos. Grandes empresas de bens de consumo preservaram contratos em linhas específicas, o que garantiu fluxo mínimo de compra de PCR e ajudou a sustentar a operação de plantas de médio e grande porte. O efeito foi mais visível em embalagens rígidas e flexíveis com especificações padronizadas, onde a escala industrial pesa a favor.
Além do comportamento dos compradores, o setor colheu resultados de investimentos realizados desde 2018, quando o acompanhamento sistemático começou. As plantas estão mais automatizadas e com melhor controle de contaminações, o que se traduz em ganhos de produtividade e estabilidade de cor, viscosidade e índice de fluidez. Em paralelo, a melhoria na segregação na origem em alguns centros urbanos ajudou a reduzir o índice de sujidade do material coletado, encurtando o ciclo de lavagem e secagem e elevando o rendimento por tonelada de resíduo recebida.
Capacidade instalada, faturamento e empregos
A capacidade instalada do parque reciclador chegou a 2,43 milhões de toneladas em 2024, alta de 1,9% frente ao ano anterior. Considerando o volume de resíduos processados (1,55 milhão de toneladas), o grau de utilização ficou na casa de 64%, uma taxa coerente com a natureza do insumo, sujeito a variações de qualidade e sazonalidade de oferta. O avanço de capacidade decorre de ampliações de linhas de lavagem, extrusão com degasagem mais robusta e adoção de sistemas de triagem por leitura ótica, que reduzem perdas e elevam a padronização dos lotes.
Em receita, o setor movimentou R$ 4 bilhões em 2024, crescimento nominal de 5,8% sobre 2023. O ticket médio por tonelada oscilou ao longo do ano de acordo com o tipo de polímero e a aplicação final, mas a escala total compensou os períodos de preço pressionado. O mercado de trabalho também respondeu: foram 20.043 empregos diretos, alta de 7,7%. A combinação de mais contratações e mais capacidade instalada indica confiança na demanda por PCR e expectativa de estabilidade nos fluxos de fornecimento para 2025, com ênfase em contratos recorrentes.
Oferta de resíduos e papel dos canais de suprimento
A origem do material processado em 2024 manteve o padrão observado nos últimos anos, com predomínio dos comerciantes de resíduos. Eles responderam por 33% do volume comprado pelas recicladoras, o equivalente a 518 mil toneladas. Em seguida vieram as aparas industriais, com 23%, e os recicladores menores, com 19%. Empresas de gestão de resíduos representaram 11% do fornecimento, e as cooperativas ficaram com 10%. O movimento mostra uma cadeia que, na prática, depende de hubs de consolidação capazes de agregar várias fontes e garantir lotes volumosos e regulares.
O relatório aponta um recuo da participação de catadores informais e cooperativas em favor dos sucateiros. A leitura é de que a remuneração mais baixa em determinados períodos reduziu a presença dessas frentes no ciclo de coleta, em especial nas cidades médias. Para as recicladoras, isso implicou maior esforço de qualificação dos fornecedores e, em alguns casos, a montagem de redes próprias de pré-triagem para assegurar padrão mínimo de material recebido. A estratégia mais comum foi combinar contratos com traders, compras spot em leilões de resíduos e parcerias com operadores municipais para garantir previsibilidade.
Composição por polímero e destinos da resina PCR
Desde 2018, a produção de resina reciclada pós-consumo acumula alta de 33,6%. Em 2024, a cesta ficou dividida em 39% de PET, 20% de PEAD, 18% de PP e 15% de PEBD/PEBDL, com o restante distribuído entre outras resinas. A predominância do PET reflete a ampla coleta de embalagens de bebidas e de higiene, que possuem rotas maduras para seleção, lavagem e regranulação com especificações bem compreendidas pela indústria transformadora. PEAD e PP também ampliaram seu espaço em aplicações onde o controle de odor e a constância de propriedades reológicas são decisivos.
No destino, Alimentos e Bebidas lideraram o consumo com 167 mil toneladas, seguidos por Higiene Pessoal, Cosméticos e Limpeza Doméstica, com 132 mil toneladas. São linhas com grande volume de embalagens rígidas e flexíveis e forte padronização de geometrias, o que facilita a incorporação de PCR. A construção civil e a infraestrutura consumiram 130 mil toneladas, mantendo relevância em dutos, artefatos e componentes. A agroindústria foi o destaque do ano, com 92 mil toneladas e alta superior a 35%, puxada por lonas, mangueiras e frascos para defensivos. Eletrodomésticos e eletroeletrônicos avançaram para 54 mil toneladas, apoiados por peças técnicas com especificações de resistência e acabamento.
Rendimento industrial e diferença entre resíduo e PCR
A relação entre o resíduo processado e a resina final explica por que os 1,55 milhão de toneladas de material reprocessado resultaram em 1,012 milhão de toneladas de PCR. O rendimento global próximo de 65% é compatível com um mix que inclui embalagens de coleta domiciliar, resíduos não domiciliares e aparas. Ao longo do fluxo, há perdas na retirada de rótulos, tampas, contaminantes orgânicos e inorgânicos, além de rejeitos por não conformidade. Essa diferença também varia por polímero: PET tende a apresentar rendimentos mais altos quando a coleta e a triagem são bem executadas, enquanto poliolefinas podem exigir etapas adicionais para estabilização de odor e cor.
Para ampliar o rendimento, recicladoras investiram em lavagem quente com detergentes específicos, sistemas de flutuação e separação densimétrica, secagem por centrífugas de alta rotação e filtros de malha fina na extrusão. O uso de aditivos de processo, como clarificantes e neutralizadores, e de alimentadores gravimétricos na extrusora favorece a constância do lote. No controle de qualidade, ensaios de índice de fluidez (MFI), IV no caso do PET e testes de odor e migração ajudam a enquadrar o PCR nas especificações de cada aplicação.
Distribuição regional e fluxo interestadual de material
O Sudeste concentrou a maior parte da atividade em 2024. A região gerou 2,3 milhões de toneladas de resíduos plásticos, o equivalente a 48,1% do total, consumiu 47% do material destinado às recicladoras e produziu 559 mil toneladas de PCR, o que representa 55,5% da produção nacional. O Sul respondeu por 26% do consumo e 266 mil toneladas de PCR, ou 26,2% do total. O perfil industrial das duas regiões, com maior densidade de transformadores e centros de distribuição, ajuda a explicar a concentração de oferta e demanda de PCR nesses estados.
O fluxo entre estados ganhou importância: 41,1% dos resíduos processados vieram de localidades diferentes da sede das recicladoras. Isso ocorreu porque empresas buscaram matéria-prima onde havia melhor preço, mesmo arcando com fretes mais longos. O Nordeste reforçou sua posição como terceira maior produtora, com 13,7% do total, o equivalente a 139 mil toneladas, e crescimento de 16,6% na comparação anual. Norte e Centro-Oeste completam o mapa com participação menor, mas com nichos em que o custo logístico é compensado pela proximidade de indústrias de transformação específicas.
Brasil no cenário internacional e a comparação com outras regiões
Em 2023, Brasil e México responderam, juntos, por 76% do volume de plástico reciclado na América Latina, segundo a mesma base de dados. O México registrou 1,53 milhão de toneladas no período, enquanto a América Latina como um todo somou 3,79 milhões de toneladas. Em 2024, com 1,012 milhão de toneladas de PCR, o Brasil manteve posição de destaque na região, consolidando uma indústria de grande porte e com fornecedores capazes de atender requisitos técnicos de diferentes cadeias produtivas.
Na Europa, o volume de 2023 foi de 7,1 milhões de toneladas, com recuo de 8% sobre 2022. A oscilação de preços de resinas virgens e a menor atividade industrial em alguns países afetaram a demanda por PCR em linhas mais sensíveis a custo. A comparação mostra que mercados maduros também sofrem com ciclos de preços e com a necessidade de equilíbrio entre especificação técnica e viabilidade econômica. Para o Brasil, a lição prática é gerir contratos de fornecimento com cláusulas de ajustamento e investir em padronização de matéria-prima para reduzir volatilidade de qualidade ao longo do ano.
Como funciona a reciclagem mecânica na prática
A reciclagem mecânica converte resíduos plásticos em grânulos ou flakes reaproveitáveis pela indústria de transformação. O processo começa na coleta, passa pela triagem, segue para etapas de redução de tamanho, lavagem e secagem e termina na extrusão e peletização. Cada etapa impacta diretamente o rendimento e a qualidade da resina final. Quanto melhor a seleção por tipo de polímero e menor a contaminação, mais estáveis serão propriedades como MFI, tenacidade e cor, e maior será o aproveitamento do lote.
Abaixo, um fluxo resumido das etapas e dos pontos de atenção mais citados por operadores do setor. A sequência ajuda a entender por que nem todo resíduo coletado se converte em PCR e quais decisões operacionais mais influenciam custo por tonelada.
- Coleta e triagem: separação por tipo de resina (PET, PEAD, PP, PEBD/PEBDL), remoção de itens incompatíveis e classificação por cor e aplicação.
- Preparação: moagem ou trituração para padronizar o tamanho; uso de peneiras para retirada de partículas fora da especificação.
- Lavagem: banhos com soluções específicas, flotação para separar por densidade e enxágues para reduzir sólidos e compostos solúveis.
- Secagem: centrífugas e secadores térmicos, com foco em reduzir umidade a níveis compatíveis com a extrusão; no PET, secagem e cristalização controladas.
- Extrusão e filtração: degasagem para remover voláteis, filtros de malha fina e mistura de aditivos; extrusoras com alimentação gravimétrica para constância.
- Peletização: corte em água ou ar; estabilização térmica dos grânulos e ensacamento com rastreabilidade de lote.
- Controle de qualidade: ensaios de MFI, densidade, cor, odor, IV (PET) e testes funcionais conforme a aplicação final.
Aplicações em alta e requisitos técnicos por segmento
Embalagens para alimentos e bebidas avançaram com 167 mil toneladas, apoiadas por especificações de barreira e rigidez. Em PET, a estabilidade da viscosidade intrínseca e o controle de acetaldeído são pontos críticos, enquanto em poliolefinas o foco recai na constância de MFI e na compatibilidade com aditivos de processo. Em higiene, cosméticos e limpeza, as 132 mil toneladas consumidas indicam oportunidades em frascos soprados de PEAD e PP, tampas e filmes. Nesses casos, a manutenção de cor e o desempenho em impacto a baixa temperatura são diferenciais.
A construção civil consumiu 130 mil toneladas com perfis, eletrodutos, geomembranas e artefatos. O setor valoriza repetibilidade dimensional, resistência química e desempenho mecânico consistente, o que favorece composições com PCR e aditivos de estabilização. A agroindústria, com 92 mil toneladas, ganhou tração em lonas, mangueiras e embalagens técnicas, demandando resistência UV e alongamento controlado. Em eletrodomésticos e eletroeletrônicos, as 54 mil toneladas indicam substituição parcial de resinas virgens em peças internas e de acabamento, onde a estabilidade térmica e o controle de odor definem o limite de aplicação.
Indicadores de coleta e o peso das embalagens no volume total
O país gerou 4,82 milhões de toneladas de resíduos plásticos pós-consumo em 2024. Desse montante, 1,2 milhão de toneladas foram efetivamente consumidas pelas recicladoras na categoria de resíduos pós-consumo, domésticos e não domésticos. As embalagens responderam por 87% desse volume, o que equivale a 1,037 milhão de toneladas. O resultado confirma a centralidade das embalagens no abastecimento do parque reciclador, tanto pela capilaridade da coleta quanto pela existência de rotas de triagem mais consolidadas.
O desempenho de embalagens também dialoga com o índice de 24,4% de reciclagem mecânica nessa categoria. A estrutura de pré-triagem e de contratos com centrais de recebimento compensa oscilações sazonais, como períodos de maior geração de resíduo domiciliar. Ao mesmo tempo, materiais complexos, com multicamadas e aditivos específicos, exigem engenharia de processo e, em alguns casos, rotas de reciclagem dedicadas para manter a performance do produto final. A busca por padronização de designs e rótulos removíveis tem sido uma alavanca técnica para melhorar rendimento e qualidade do PCR.
Custos, preços e como as empresas vêm negociando PCR
O prolongado ciclo de baixa das commodities petroquímicas em 2024 pressionou a competitividade do PCR. Com resinas virgens mais baratas, fabricantes de embalagens e transformadores exigiram descontos ou especificações mais rígidas para contratar PCR. Para manter a operação, recicladoras adotaram prazos de reajuste indexados a cotações de referência, estabeleceram bandas de preço por cor e tamanho de flake e passaram a precificar lotes considerando rendimento médio por fonte de resíduo. Em mercados com maior exigência de constância, contratos anuais com volumes mínimos garantiram previsibilidade para ambos os lados.
A estratégia de diversificação por polímero também ganhou espaço. Empresas aumentaram a participação de PET onde havia excedente de garrafas e ampliaram linhas de PP em regiões com oferta recorrente de aparas industriais. Para poliolefinas, a combinação de aditivos estabilizantes e masterbatches de cor ajudou a reduzir retrabalho. Outro movimento foi o investimento em rastreabilidade por lote, com etiquetas e registros digitais de origem, o que facilita auditorias, simplifica recalls e dá visibilidade do histórico de processo e ensaios realizados, reduzindo incertezas na formação de preço.
Pontos de atenção para 2025 e caminhos para ganhar escala
A continuidade do crescimento em 2025 dependerá de três fatores práticos: estabilidade de oferta de resíduos, previsibilidade de demanda e eficiência operacional. Na oferta, contratos com operadores regionais e calendários de coleta ajudam a atenuar sazonalidades. Na demanda, linhas com metas de conteúdo reciclado tendem a sustentar pedidos mesmo em ciclos de preço menos favoráveis. Do lado da operação, investimentos com foco em rendimento (lavagem, filtração e controle de qualidade) costumam gerar retorno mais rápido do que ampliações de grande porte, por atacarem perdas e retrabalhos recorrentes.
Outro ponto é a logística. O dado de que 41,1% do material processado cruza fronteiras estaduais mostra espaço para otimização. Consolidação de cargas, contratação com frete retorno e hubs de transbordo próximos a eixos rodoviários reduzem custo por tonelada. No plano comercial, a padronização de especificações por família de produto e a comunicação transparente de ensaios de lote elevam a confiança do comprador e diminuem a necessidade de testes adicionais. Com isso, a resina reciclada circula com mais fluidez entre regiões e setores, consolidando o avanço observado em 2024.