Vencedor do leilão de arroz, proprietário da Queijo Minas foi investigado por fraude em licitação

Wisley Alves de Souza, proprietário da Wisley A. de Souza Ltda., uma das empresas vencedoras do leilão para importação de arroz realizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) na semana passada, é um estreante em certames promovidos pela estatal.

E, logo na primeira participação, levou um contrato para importar 147,3 mil toneladas do cereal, por um valor de R$ 736 milhões, e ficou no foco da suspeição de irregularidades no leilão, tendo sido colocada em dúvida a sua capacidade de honrar com o compromisso assumido.

Isso porque sua empresa, que tem a razão social de Queijo Minas, funciona como um minimercado de bairro e, até poucos dias antes do leilão, tinha capital social declarado de R$ 80 mil – depois atualizado para R$ 5 milhões.

Souza não é estreante, entretanto, no universo das compras públicas e já foi, inclusive, alvo de investigação de fraude em uma licitação para aquisição de utensílios de cozinha pela Prefeitura de Macapá, capital do Amapá, onde a Queijo Minas, nome fantasia da empresa de Souza, está sediada.

A investigação foi realizada a pedido do Tribunal de Contas do Estado do Amapá, que verificou indícios de sobrepreço na compra, feita através do pregão presencial 05/2010. A vencedora do leilão foi a empresa Wisley A. de Souza ME, contratada pelo valor der R$352.709,80.

A aquisição dos utensílios foi feita em 2009, na gestão do então prefeito Roberto Góes, hoje deputado estadual pelo União Brasil – Goes exerceu também mandato de deputado federal entre 2015 e 2019, eleito pelo PDT.

Na ocasião, o TCE apurou que a prefeitura pagou R$ 113.614,50 a mais que o valor de mercado pelos itens adquiridos com dispensa de licitação, sob alegação de que se tratava de uma compra emergencial para suprir necessidades das escolas municipais.

O próprio prefeito foi investigado pelo TCE e o caso chegou a ser encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018, em função de Góes, como deputado federal naquela época, ter foro privilegiado.

O STF, no entanto, arquivou o caso, em despacho assinado pelo ministro Dias Toffoli, após receber o inquérito conduzido pela então procuradora geral da República, Raquel Dodge, para apurar “a prática de crimes licitatórios e de desvio de verbas públicas pelo deputado federal Roberto Góes, no período em que exerceu o cargo de prefeito do Município de Macapá/AP”.

No despacho, Toffoli decidiu acolher o requerimento de Dodge pelo arquivamento do inquérito por ausência de indícios da participação do então prefeito nos supostos crimes.

Mas determinou que o caso fosse encaminhado a uma das varas criminais da comarca de Macapá “para as providências que se reputar pertinentes em relação aos demais investigados sem prerrogativa de foro”.

Agitação em Brasília

As suspeitas em torno do leilão movimentaram os bastidores do governo, em Brasília. Segundo informou reportagem do Estadão, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, teria se reunido com seu colega do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, e o presidente da Conab, Edegar Pretto.

Os três teriam discutido possíveis soluções para o caso, diante da repercussão negativa, e já cogitariam até mesmo anular o leilão. Incomodado com as suspeitas de irregularidades, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria solicitado até mesmo o desligamento dos responsáveis.

No fim de semana, a Conab emitiu nota em que buscou explicar o funcionamento do leilão e dizendo que cobraria as empresas a fazerem os depósitos das garantias previstas dentro do prazo, sob o risco de anulação de seus contratos caso não comprovem capacidade técnica e financeira para executá-los.

Nesta segunda-feira, a estatal afirma ter enviado ofício para as bolsas de mercadoria que atuam como representantes das empresas vencedoras no processo, solicitando informações sobre a estratégia de operacionalização de cada uma delas.

“Após a divulgação das empresas vencedoras, suscitaram dúvidas sobre as reais condições técnicas e financeiras de as empresas honrarem seus compromissos, por isso, determinei a convocação das bolsas para nos apresentarem as condições de as empresas honrarem o leilão realizado”, afirmou, em vídeo, o diretor presidente da Conab, Edegar Pretto.

Suspeitas sobre bolsas de mercadorias

As próprias bolsas, entretanto, suscitaram suspeitas. Uma delas, a Bolsa de Mercadorias de Mato Grosso, foi criada em maio do ano passado por Robson Luiz de Almeida França, ex-assessor de Neri Geller, atual secretário de Política Agrícola do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Ela aparece como representante das empresas responsáveis pela importação das 44% das 263 mil toneladas negociadas no leilão, e representa três das quatro vencedoras – apenas a Queijo Minas é representada por outra corretora, a Bolsa de Cereais e Mercadorias de Londrina (BCML).

França atuou como assessor de Geller entre 2019 e 2020, quando o atual secretário exercia mandato de deputado federal por Mato Grosso. Nesse período, foi colega de gabinete de Thiago dos Santos, que ocupa hoje o cargo de diretor de Operações e Abastecimento da Conab, responsável pela realização do leilão.

A suspeita vai além: França aparece como sócio de Marcelo Geller em outra empresa, a GF Business, criada em agosto de 2023 para atuar na intermediação de negócios.

França negou qualquer irregularidade na sua participação, assim como qualquer influência de Geller no processo.

Histórico de Wisley Alves de Souza

Wisley Alves de Souza já tem um histórico polêmico no mundo das licitações. Não é primeira vez que seu nome surge no meio de um furacão de suspeitas. Ele, de fato, é um veterano quando se trata de compras públicas, especialmente aquelas que geram algum tipo de controvérsia.

Anteriormente, ele esteve envolvido em uma licitação problemática para a aquisição de utensílios de cozinha pela Prefeitura de Macapá. A investigação pela Tribunal de Contas do Estado do Amapá apontou para um sobrepreço significativo na compra. Incrivelmente, a Queijo Minas, que é agora subitamente uma vencedora de um leilão de R$ 736 milhões, era uma empresa de capital social muito modesto até pouco tempo atrás.

Transparência e fiscalização

O cenário desse leilão levanta uma questão crucial: como é que uma empresa com um histórico tão meramente ordinário consegue um contrato tão monumental? Será que realmente há fiscalização suficiente nos processos de licitação pública? O episódio acende um holofote sobre a necessidade de mais transparência e fiscalização rigorosa em tais processos.

Felizmente, as instituições parecem estar se movendo nessa direção. O próprio TCE do Amapá já investigou casos similares no passado e chamou a atenção para comportamentos suspeitos que afetam a credibilidade dos processos de licitação. Em um país onde a corrupção ainda é um problema considerável, ter órgãos de fiscalização eficiente é vital.

Conab e suas responsabilidades

A Conab se viu no centro das atenções com esse leilão, e não pela melhor das razões. Ela precisa demonstrar que suas práticas são transparentes e que qualquer desvio ou suspeita de irregularidade será tratado com o maior rigor. A suspeita em torno do leilão do arroz mostrou que há muitos olhos voltados para a Conab, e que sua postura deve ser de total transparência e responsabilidade.

O envio de ofícios para bolsas de mercadorias para obter esclarecimentos sobre suas operações é um passo na direção certa. Isso mostra que há uma vontade de corrigir qualquer possível erro e garantir que todos os envolvidos no processo de licitação cumpram com seus compromissos e responsabilidades. Os consumidores merecem essa resposta clara e direta para que se mantenha a confiança nas instituições públicas.

Impacto no setor agrícola

Todos esses escândalos e investigações podem ter um impacto profundo no setor agrícola. Os produtores confiam em processos justos para competir e garantir o sustento de suas atividades. Quando essas licitações são questionadas, toda a indústria sofre e a confiança no sistema é abalada.

Para o Brasil, que é um dos maiores produtores e exportadores agrícolas do mundo, a integridade nos processos de licitação pública é fundamental. Escândalos como esses jogam uma sombra sobre o país e podem impactar negociações internacionais, investimentos e, em última análise, a economia agrícola.

Conclusão

O caso envolvendo Wisley Alves de Souza e o leilão do arroz é mais do que um exemplo de possível fraude em licitação. Ele coloca em evidência a necessidade de uma fiscalização mais acirrada, transparência e responsabilidade nos processos de compras públicas. A pressão pela integridade e seriedade deve vir de todos os envolvidos – governo, empresas e a sociedade civil.

É um sinal claro de que a luta contra a corrupção continua, e que ainda temos muito a avançar para garantir que os processos sejam justos e que as melhores práticas sejam seguidas. Em última análise, a confiança nas instituições públicas depende disso. E, como cidadãos, é nosso dever manter essas entidades sob constante vigilância para garantir que o interesse público seja prioritário.