O mercado náutico sempre foi um segmento com boa margem de lucro. No Brasil não seria diferente. O potencial do país é gigantesco. A enorme costa brasileira e um número imenso de águas navegáveis (rios, represas, lagos e afins) por si só englobariam cifras da mesma proporção, afinal, trata-se de um setor de alto valor agregado. Mas a realidade do país ainda não é esta. O processo industrial dos estaleiros por aqui movimenta uma cadeia produtiva especializada e rentável, sim, mas distante de seu potencial. Há espaço para mais tecnologia e inovações. Os fornecedores de matérias-primas e os construtores fazem a sua parte; na verdade, o que falta mesmo é aumentar o consumo de barcos por aqui.
A maior parte das embarcações de lazer possui suas estruturas feitas de resinas à base de poliéster insaturado reforçadas com fibra de vidro. Aliás, os compósitos são produtos já estabelecidos neste setor. “Estão presentes na fabricação de praticamente todos os barcos”, aponta Jorge Nasseh, CEO da Barracuda Advanced Composites e vice-presidente da Associação Brasileira dos Construtores de Barcos (Acobar). A preferência se dá, entre outros motivos, porque este tipo de material aumenta a vida útil da embarcação, ao mesmo tempo em que melhora consideravelmente o seu desempenho.
Felipe Rengifo, gerente comercial e técnico da NovaScott Especialidades vai além. Para ele, sem os compósitos, seria muito difícil fabricar barcos nos padrões de tecnologia e acabamento atuais. Até por isso, as principais estruturas de uma embarcação, hoje, contam com o material. A indicação é melhorar o que já existe, com a redução dos custos de produção e a oferta de mais leveza e qualidade das peças, por exemplo. De qualquer maneira, este setor só avança. “O mercado brasileiro de embarcações em plástico reforçado com fibra de vidro cresce de 4% e 6% ao ano”, prevê Rengifo.
Segundo André Luiz de Oliveira, gerente de desenvolvimento de mercado e assistência técnica da Reichhold do Brasil, o setor náutico é de extrema importância para a companhia por ter foco em inovações tecnológicas no que tange ao desenvolvimento das resinas de poliéster insaturado e de gelcoats (produto muito usado como revestimento externo de um casco e convés). Em outras palavras, a empresa, aqui no Brasil, consegue nesta área emplacar formulações de alto valor agregado. “Isso nos ajuda a, cada vez mais, trazer as recentes inovações globais para o mercado local”, explica Oliveira.
Grande e pequeno – A indústria naval depende do uso dos compósitos, apesar do volume comercializado deste tipo de material não ser muito expressivo no mercado geral, se associado a outras indústrias como a da construção civil e a dos transportes. No entanto, o confronto chega a ser ingrato, pelo menos, em termos quantitativos. São áreas e produtos muito diferentes. “A melhor opção de comparação talvez seja de forma qualitativa”, afirma Nasseh. O executivo sabe o que está dizendo. Recentemente, a Barracuda Advanced Composites produziu os barcos do programa do governo “Caminhos da Escola”.
A Barracuda se considera a principal empresa brasileira responsável pelo desenvolvimento de estruturas em material composto e distribuição de matérias-primas. Foi pioneira na implantação do sistema de construção por infusão a vácuo e na análise de estruturas e processos utilizando compósitos para a produção de peças de engenharia. “A Barracuda possui um grande departamento de engenharia que oferece soluções para a fabricação de materiais compostos, incluindo análise estrutural por elementos finitos, geração de soluções de ferramentas em 3D e detalhamento de processos de escoamento em sistemas fechados como Resin Transfer Molding (RTM) e infusão”, diz Nasseh.
É isso mesmo, para atuar neste segmento, é preciso deter conhecimento tecnológico de nível superior. Segundo Gilmar Lima, presidente da Associação Latino-Americana de Materiais Compósitos (Almaco) este segmento utiliza materiais de alto desempenho e valor agregado que proporcionam um exemplo positivo de aplicação dos compósitos. Aqui o foco definitivamente não é volume, e, até por isso, as expectativas empolgam. A associação prevê para este ano que a contribuição do segmento náutico ao mercado de compósitos cresça mais do que a média geral. “Isto significa um número superior a dois dígitos”, comenta Lima. A saber, no ano passado, os setores de agronegócio, construção civil e energia eólica foram os responsáveis pelo resultado positivo do mercado de compósitos. Aliás, juntos representam algo em torno de 65% desta indústria.
De qualquer forma, a participação do plástico reforçado dentro do mercado naval vem aumentando paulatinamente. Na opinião de Helvio Manke, gerente de vendas para a América do Sul da Lord, este avanço se dá, sobretudo, por conta da utilização de novos processos de fabricação, como a infusão a vácuo. “O compósito está adquirindo maior participação, substituindo materiais convencionais, como madeira, aço e alumínio”, comenta Manke.
Apesar desse cenário favorável, na avaliação de Nasseh, os compósitos e suas tecnologias não têm se modificado substancialmente nos últimos dez anos, à exceção de alguns equipamentos. Também não há ações específicas da Almaco para alavancar as vendas dos compósitos no setor náutico. No entanto, a associação age na capacitação dos profissionais da área e investe na criação de novos processos e materiais de alto desempenho, o que certamente respinga na produção das embarcações. “Temos convicção de que é um segmento que continuará crescendo de forma significativa”, comenta Lima.