Com boas e más notícias, PIB agro surpreende agora, mas deve recuar mais no restante do ano
O PIB brasileiro é um dos indicadores mais relevantes para quem analisa a economia brasileira, não só pelo retrato que traz do período a que se refere, mas também por dar sinalizações sobre o desempenho da economia nos próximos trimestres.
No caso da agropecuária, o PIB do primeiro trimestre deu importantes sinalizações. A má notícia é que uma retração do setor é praticamente inevitável em todo o ano de 2024. A boa notícia é que o desempenho de janeiro a março desenha um cenário não tão negativo quanto se esperava.
Esse é o diagnóstico feito por Felippe Serigati, pesquisador da FGV Agro. A projeção feita pela FGV para o PIB agropecuário no primeiro trimestre era de queda de 7% na comparação anual. Mas a queda foi de 3% em relação ao começo de 2023.
“O fator decisivo para esse resultado foi a soja. A variação entre as diferentes projeções para a produção da safra 2023/2024 ainda é grande, chegando a 20 milhões de toneladas. E a queda de 2,4% na produção do primeiro trimestre foi um resultado melhor que o esperado”, afirma Serigati.
Outra boa notícia para o agronegócio, apontado pelo pesquisador da FGV Agro, está nos dados referentes à indústria.
“Se olharmos para a indústria de transformação, houve crescimento de 1,5%, e os segmentos que impulsionaram esse avanço foram os de petróleo e biocombustíveis, e alimentos e bebidas, que estão relacionadas à agroindústria”.
De acordo com levantamento feito pela própria FGV Agro, a agroindústria brasileira cresceu 4% no primeiro trimestre de 2024, na comparação anual.
Fabio Silveira, sócio-diretor da consultoria MacroSector, ressalta que a metodologia do IBGE dificulta uma análise mais exata da situação real do agronegócio no Brasil, inclusive por deixar de fora a agroindústria.
O especialista afirma que seria necessário o IBGE detalhar mais os dados sobre o setor, inclusive sobre o método para tirar a sazonalidade na comparação com o trimestre imediatamente anterior.
“É um setor altamente e naturalmente sazonal, então é difícil você pensar na atividade agropecuária sem os efeitos sazonais de cada trimestre”.
Sobre os próximos trimestres, Serigati acredita que o desempenho melhor que o esperado nos primeiros três meses sinalizam o que deve acontecer no restante de 2024.
“É inevitável que tenhamos uma queda no PIB agropecuário este ano, mas o primeiro trimestre é sempre o melhor sinalizador do ano, já que a maior parte da nossa safra é de verão. Então, o cenário não vai ser tão ruim quanto se esperava”.
O desempenho do segmento já vinha piorando rapidamente no decorrer de 2023, em relação a um 2022 de números positivos. O ano passado começou com o PIB agropecuário crescendo quase 23%, e praticamente mantendo o desempenho no segundo trimestre, com avanço de quase 21%.
Mas a partir do segundo semestre, que equivale ao início do ano-safra brasileiro, o ritmo decaiu. No terceiro trimestre, o setor ainda teve crescimento, mas inferior em 9% em relação ao mesmo período de 2022. Nos últimos três meses de 2023, o setor apresentou avanço zero.
Receitas caem com mais intensidade
Se a soja teve uma queda mais amena do que se esperava, o milho teve um desempenho bem pior, com queda de quase 12% na produção do primeiro trimestre.
Silveira, da MacroSector, afirma que é possível dizer que existem dois cenários distintos em relação à produção. Enquanto soja e milho caem, as chamadas lavouras permanentes, como cana-de-açúcar, café e laranja apresentam bons desempenhos.
“E o problema maior está nas receitas, mais até que na produção. Milho e soja são muito mais representativos neste aspecto e, com as quedas recentes de preços, acredito que o cenário continuará difícil para recuperar os volumes”, diz Silveira.
Ele lembra que em termos de faturamento, soja e milho tiveram queda somada de 6,5% no ano passado, para R$ 624 bilhões. “Para este ano, a projeção é abaixo de R$ 560 bilhões em receitas para os produtores”, afirma. Se confirmada a projeção, este ano terá um recuo superior a 10%.
Pedro Afonso Gomes, presidente do Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo (Corecon-SP), lembra que o primeiro trimestre é sazonalmente mais forte para o agro dentro do PIB.
“Os preços das commodities agrícolas subiram demais em 2021 e 2022 e ainda vimos um bom desempenho no primeiro semestre de 2023 por conta disso. Mas o desempenho vem caindo e os preços continuam em patamares baixos”, afirma Gomes.
O sócio-diretor da MacroSector afirma que o Plano Safra 24/25, a ser divulgado pelo governo federal, será bastante importante para ajudar na recuperação do desempenho do agronegócio. “Não é uma heresia colocar dinheiro público para ajudar o setor. Estados Unidos e Europa fazem isso com frequência”.
Para Serigati, da FGV Agro, outro fator que deve ter impacto no PIB agropecuário nos próximos trimestres são as enchentes no Rio Grande do Sul, mas ainda não é possível saber o tamanho exato dos prejuízos.
“A grande vantagem do Brasil é que a atividade agropecuária está muito espalhada pelo país. Então, a nossa projeção é de um impacto modesto, porém significativo, no PIB agropecuário desse segundo trimestre”.
O Agronegócio e Seus Desafios Sazonais
Primeiramente, é importante entender que o agronegócio é altamente influenciado por fatores sazonais. Clima, período de colheita e questões logísticas são apenas alguns dos elementos que podem alterar significativamente o desempenho do setor de um trimestre para outro. Nisso, o desempenho do primeiro trimestre geralmente fornece uma previsão bastante acertada do que esperar para o ano.
É quase como prever o tempo: se você sabe que vai chover, pode se preparar com um guarda-chuva. No contexto do agro, um bom desempenho no início do ano indica que, mesmo com os obstáculos inevitáveis, a situação pode não ser tão drástica quanto previsto inicialmente.
A Importância da Soja no Cenário Agro
A soja, como uma das principais commodities do Brasil, exerce uma grande influência no PIB agropecuário. O país é um dos maiores produtores e exportadores de soja do mundo, o que faz com que qualquer variação na produção dessa cultura tenha efeitos significativos na economia.
No primeiro trimestre de 2024, a produção de soja caiu 2,4%, mas ainda assim, esse resultado foi melhor do que o esperado. Isso mostra a resiliência do setor em face de desafios como mudanças climáticas e variabilidade de mercado. Esse desempenho mais robusto ajuda a atenuar as previsões de retração do PIB agro ao longo do ano.
Segmentos da Indústria de Transformação
Interessantemente, alguns segmentos da indústria de transformação têm mostrado um crescimento que não pode ser ignorado. Indústrias de petróleo, biocombustíveis, alimentos e bebidas registraram crescimento no mesmo período, destacando a interconexão entre o agronegócio e a indústria.
Ao olhar o crescimento industrial de 1,5% no primeiro trimestre, fica claro que o desempenho agropecuário tem suas ramificações. Essas áreas estão diretamente ligadas à produção agrícola, seja na obtenção de matéria-prima ou na transformação e comercialização de produtos. É como um efeito dominó onde uma boa safra ou uma boa produção podem trazer benefícios a uma cadeia inteira de negócios.
Sazonalidade e Desempenho Futuro
Ninguém pode prever o futuro com certeza, mas dados sazonais ajudam bastante nessa tarefa. O primeiro trimestre foi um indicador crucial, mas não é o único parâmetro a ser considerado. O segundo trimestre já começa a mostrar sinais de dificuldades adicionais, especialmente devido a fatores climáticos imprevistos.
As enchentes no Rio Grande do Sul, por exemplo, são um evento que tem o potencial de influenciar negativamente o desempenho do agronegócio nos próximos trimestres. Mesmo com uma distribuição geográfica ampla da produção no Brasil, eventos como esse não podem ser ignorados ao projetar o PIB agro para o restante do ano.
Situação das Receitas Agropecuárias
Enquanto o desempenho de produção pode mostrar variações positivas ou menos negativas, o cenário de receita é outro tema crucial. A queda nos preços de commodities como soja e milho impacta diretamente o faturamento dos produtores. É como vender mais produtos, mas a preços menores – no final, o saldo pode não ser tão positivo.
Silveira destaca que, mesmo com produções mais robustas em determinadas áreas, a queda nos preços gerou uma receita combinada 6,5% menor no ano passado. Para 2024, a previsão é ainda mais desafiadora, com uma queda de receita projetada para ficar abaixo de R$ 560 bilhões.
Impacto das Políticas Públicas
As políticas públicas têm um papel crucial no suporte ao agronegócio, especialmente em cenários adversos. O Plano Safra 24/25 é um exemplo de como intervenções estratégicas podem ajudar a mitigar os efeitos negativos da sazonalidade e outros desafios.
Gomes ressalta que Estados Unidos e Europa frequentemente utilizam recursos públicos para apoiar seus setores agropecuários. Não seria diferente no Brasil, onde a atenção governamental é crucial para a sustentação e recuperação do setor em momentos críticos.
Expectativas para o Segundo Trimestre e Além
A projeção para o restante do ano continua sendo de retração, mas com um cenário menos dramático do que o previsto inicialmente. A produção resiliente de segmentos como a soja, além do suporte governamental e uma possível recuperação parcial dos preços, dão uma lume de esperança para o setor.
Será um ano de desafios, sem dúvida, mas a agropecuária brasileira tem mostrado que, com resiliência e planejamento, é possível superar períodos adversos. Continuidade na adaptação às novas realidades de mercado e fatores climáticos será crucial para um desempenho mais equilibrado ao longo de 2024.