Goiânia — Após decisão liminar obtida pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO) que determinou a retirada de mensagens consideradas discriminatórias por convicção político-partidária, o Frigorífico Goiás tirou de sua vitrine a frase “petista não é bem-vindo” e apresentou uma nova comunicação. Em vídeo publicado nas redes sociais na terça-feira, 30 de setembro de 2025, o CEO da empresa, Leandro Batista, mostrou a substituição do cartaz: “Ladrão aqui não é bem-vindo. Quem apoia ladrão também não”. A mudança foi feita após a Justiça estipular multa diária de R$ 1 mil, limitada a R$ 100 mil, em caso de descumprimento da ordem. A defesa do estabelecimento afirma ter cumprido integralmente a decisão e diz que o novo texto não tem caráter político ou discriminatório.
frigorífico refaz anúncio contra petistas com nova frase; confira
A sequência de acontecimentos começou com a divulgação de cartazes e postagens que restringiam o atendimento a pessoas identificadas como “petistas”. A partir da repercussão e de uma denúncia apresentada pelo deputado estadual Mauro Rubem (PT), o MP-GO ingressou com ação civil pública e obteve liminar que exigiu a remoção de qualquer mensagem que pudesse limitar ou constranger consumidores por motivo de posicionamento político-partidário. Na decisão, o magistrado deu prazo de 48 horas para o cumprimento, sob pena de multa. O frigorífico afirma que retirou o material antes mesmo da ordem judicial e, em seguida, trocou o enunciado em sua comunicação.
O novo cartaz, exibido pelo próprio empresário em vídeo, traz a frase “Ladrão aqui não é bem-vindo. Quem apoia ladrão também não”. A publicação gerou grande volume de comentários nas redes sociais, com opiniões divididas. Parte do público considerou que a substituição mantém o teor de exclusão; outra parte entendeu que a nova mensagem generaliza o repúdio a atos ilícitos, sem mencionar grupos, partidos ou preferências políticas. O debate avançou para temas como os limites da publicidade comercial, o alcance da liberdade de expressão na esfera privada e o dever de atendimento sem discriminação a consumidores.
O que aconteceu: os principais pontos do caso
Segundo o que foi compartilhado nas redes do estabelecimento e do proprietário, o frigorífico inicialmente expôs mensagens que rejeitavam o atendimento a “petistas”, acompanhadas da expressão “Não atendemos petista”. O material foi alvo de críticas e de uma representação que culminou na atuação do MP-GO. Na ação, o Ministério Público sustentou que a prática criava ambiente hostil e excludente, direcionado a um grupo de consumidores por motivo político. O órgão pediu a retirada dos conteúdos e a imposição de multa em caso de descumprimento, além de indenização por dano moral coletivo e divulgação de retratação em veículo de grande circulação.
A Justiça acolheu o pedido de tutela provisória de urgência, determinando a remoção, em até 48 horas, de qualquer comunicação, no ponto físico ou nas redes sociais do frigorífico, que contivesse “mensagem discriminatória por convicção político-partidária”. A decisão liminar, sujeita a recurso, também fixou multa diária de R$ 1 mil até o limite de R$ 100 mil. Após a ordem, a empresa divulgou um vídeo no qual o empresário retira o cartaz antigo e instala uma nova peça com frase diferente, com a defesa argumentando que não há conteúdo político explícito no novo texto e tampouco discriminação.
A decisão judicial e seus efeitos imediatos
A liminar impôs ao estabelecimento um padrão de conduta imediata: retirar, no prazo fixado, qualquer manifestação que restringisse o acesso de pessoas ou o atendimento a clientes por causa de convicções político-partidárias. Esse tipo de ordem é comum em ações de consumo quando há indícios de que a prática pode continuar causando danos enquanto o processo tramita. A multa diária funciona como mecanismo para garantir que a determinação seja observada, desestimulando eventual descumprimento que possa perpetuar a ofensa ou a exclusão de consumidores.
No campo processual, a medida não encerra a discussão. Trata-se de uma decisão provisória, tomada a partir dos elementos apresentados até o momento. Ao longo do processo, a defesa terá oportunidade de produzir provas, apresentar justificativas e demonstrar, segundo seu argumento, que não houve discriminação e que a comunicação comercial não tinha cunho político. O Ministério Público, por sua vez, buscará confirmar a tese de que a mensagem, mesmo sem proibir formalmente o atendimento, gerava um ambiente de diferenciação e constrangimento, incompatível com o atendimento ao público indistinto em estabelecimento comercial.
A troca da frase e os limites da comunicação comercial
A substituição do texto para “Ladrão aqui não é bem-vindo. Quem apoia ladrão também não” foi interpretada de formas distintas. Uma leitura possível é a de que o novo enunciado expressa repúdio genérico a condutas ilícitas, sem mencionar partidos, siglas ou identidades políticas específicas. Outra leitura, levantada por parte dos internautas, questiona se a frase não mantém um subtexto de exclusão ao associar a condição de “ladrão” ou de “apoio a ladrão” a grupos que, na prática, possam ser identificados politicamente pelos consumidores. Esse tipo de ambiguidade costuma ser apreciado pelos órgãos de fiscalização e pelo Judiciário a partir do contexto, do histórico das publicações e do efeito prático da mensagem sobre o público que frequenta o local.
Em ambientes de atendimento ao público, o critério central costuma ser o de evitar mensagens que criem barreiras subjetivas ou objetivas a consumidores. Ainda que a empresa sustente liberdade para definir sua comunicação, a legislação de proteção ao consumidor e o entendimento consolidado em casos semelhantes prezam pela neutralidade no trato com o cliente, evitando distinções que possam afastar ou constranger pessoas com base em características ou convicções. A fronteira entre uma opinião genérica e um conteúdo que, na prática, segregue determinados consumidores é o ponto sensível que será objeto de análise no processo.
Liberdade de expressão x atendimento ao público: o que está em discussão
A liberdade de expressão é um direito fundamental e protege manifestações de pensamento, inclusive críticas a figuras públicas e posições políticas. Contudo, quando a manifestação ocorre em um negócio aberto ao público, surgem deveres correlatos: o de não discriminar clientes, o de oferecer atendimento adequado e o de evitar práticas que exponham consumidores a constrangimento. A chave da controvérsia é saber se o conteúdo da mensagem, diante do histórico e do contexto, produz efeito discriminatório no atendimento, ainda que não utilize termos de proibição explícita na porta do estabelecimento.
A ação do MP-GO enfatiza esse ponto ao falar em “mensagem discriminatória por convicção político-partidária”. O juiz, ao acolher a liminar, considerou que não é aceitável flexibilizar a proibição de discriminação trocando palavras ou eufemismos que resultem no mesmo efeito prático. A defesa, por outro lado, afirma que cumpre a decisão, contesta o caráter político do novo cartaz e nega que exista qualquer recusa de atendimento. Nos próximos passos, a instrução processual deverá coletar elementos para verificar como a comunicação se reflete no dia a dia da loja e na percepção de consumidores.
Vídeo nas redes e reação do público
O vídeo que mostra Leandro Batista retirando o material antigo e colocando o novo cartaz intensificou a repercussão. Nos comentários, houve quem reprovasse a estratégia por entender que confrontos políticos não deveriam fazer parte da comunicação de uma loja de alimentos. Outras pessoas viram na mudança uma tentativa de afastar o foco partidário e transformar o recado em um manifesto contra a criminalidade. Entre as mensagens, destacaram-se avaliações sobre o impacto da publicidade no ambiente de compra: alguns consumidores defenderam neutralidade total, ao passo que outros enxergaram a ação como um posicionamento do empresário perante a própria audiência nas redes sociais.
As reações também trouxeram à tona um tema recorrente em ambientes digitais: a busca por engajamento. Publicações polêmicas tendem a gerar grande volume de comentários e compartilhamentos, o que pode, no curto prazo, ampliar o alcance da marca. Em contrapartida, há o risco de associar o estabelecimento a debates que extrapolam a esfera comercial e podem afastar parte do público. Em casos assim, especialistas costumam lembrar que o ganho de visibilidade precisa ser ponderado com a manutenção de um ambiente de atendimento acolhedor e adequado a qualquer consumidor que procure o serviço.
Veja o vídeo:
O que dizem as partes envolvidas
Em nota, a defesa do Frigorífico Goiás, representada por Carlos Olivo, afirmou que tomou conhecimento da liminar e a cumpriu integralmente, reforçando que o novo cartaz não tem qualquer vinculação político-partidária nem promove discriminação. Segundo a defesa, o estabelecimento pretende demonstrar no processo que vem sendo alvo de perseguição por divergências no campo político e que os responsáveis por eventuais abusos deverão responder em momento oportuno. A posição procura separar a atividade comercial da disputa política, atribuindo ao conteúdo atual um caráter genérico de reprovação a ilícitos, sem direcionamento a grupos específicos.
Do outro lado, o Ministério Público sustenta que o cerne da questão está no efeito que as mensagens, somadas ao histórico de publicações, produzem sobre o público. Para o MP-GO, ainda que se troque a formulação, não é possível tolerar conteúdos que, ao final, operem como filtro de quem seria ou não “bem-vindo” em um serviço aberto à coletividade. Na petição, o órgão pede, além da remoção definitiva de comunicações com teor discriminatório, a condenação do frigorífico ao pagamento de indenização por dano moral coletivo em valor mínimo de R$ 300 mil e a divulgação de retratação em jornal de grande circulação.
Cronologia: do primeiro cartaz à troca de mensagem
— Fase inicial: o frigorífico exibe cartaz e postagens indicando que “petista não é bem-vindo” e “Não atendemos petista”. As publicações ganham repercussão nas redes e passam a ser mencionadas por perfis influentes na região. O teor do material provoca reações imediatas, inclusive com relatos de consumidores que se sentiram desestimulados a frequentar o local, por receio de hostilidade ou constrangimento no atendimento.
— Ação civil pública: com a denúncia formalizada e a repercussão crescente, o MP-GO ingressa na Justiça pedindo a retirada do conteúdo e a aplicação de medidas que evitem novas ocorrências. A petição menciona “mensagem discriminatória por convicção político-partidária” e solicita multa para assegurar o cumprimento da ordem. A liminar é concedida, com prazo de 48 horas e multa diária de R$ 1 mil, limitada a R$ 100 mil. Em seguida, o empresário divulga vídeo, em 30 de setembro de 2025, mostrando a retirada do material antigo e a instalação do novo cartaz, com a frase “Ladrão aqui não é bem-vindo. Quem apoia ladrão também não”.
“Não é bem-vindo” x “proibido”: por que a diferença importa
O empresário ressaltou, em vídeo, que existe diferença entre dizer que alguém “não é bem-vindo” e “proibir” a entrada. Na prática, porém, os órgãos de defesa do consumidor e o Judiciário costumam avaliar não apenas as palavras, mas o ambiente que elas podem criar. Expressões como “não é bem-vindo” podem não configurar uma proibição formal, mas são analisadas pelo potencial de desencorajar ou constranger a presença de determinados consumidores. O entendimento registrado na decisão provisória destaca que não se deve permitir a troca de termos apenas para mascarar um resultado discriminatório, se o efeito prático é o mesmo.
Para empresas que atendem ao público, a recomendação típica é adotar mensagens informativas e promocionais que não impliquem preferência, rejeição ou hierarquização de clientes com base em convicções. Da perspectiva jurídica, essa cautela preserva o negócio de litígios e evita interpretação de que a comunicação está sendo usada como barreira simbólica de acesso. O caso em Goiânia recoloca esse debate sob os holofotes, com possíveis reflexos para outras empresas que desejem se posicionar sobre temas públicos sem afrontar deveres de neutralidade no atendimento.
Como ficam o atendimento e as promoções em meio à controvérsia
No dia a dia do comércio, promoções e campanhas são planejadas para atrair compradores. Quando um anúncio envolve temas do debate público, cresce o risco de segmentar a clientela por critérios alheios à qualidade do produto ou ao preço ofertado. Em geral, os órgãos de fiscalização orientam que a comunicação foque nos atributos comerciais, sem mensagens que possam ser percebidas como filtro de quem merece ou não ser atendido. A percepção do consumidor — se se sente acolhido para entrar e comprar — é elemento relevante para a análise, independente do teor formal da peça publicitária.
A nova frase adotada pelo frigorífico foi, inclusive, vinculada a uma promoção de picanha, conforme relatos de internautas. Enquanto parte do público comemora o tom provocativo das peças, outra parte questiona se campanhas dessa natureza não elevam a tensão em ambientes que deveriam ser estritamente comerciais. Até que o Judiciário aprecie o mérito da ação, o que se observa é a exigência de remoção de mensagens com possível viés discriminatório, mantendo-se em discussão se o conteúdo atual se encaixa nessa proibição — discussão que depende do conjunto de provas e do contexto oferecido por ambas as partes.
Perguntas e respostas: o que o consumidor precisa saber
Uma loja pode se recusar a atender alguém por motivo político?
Em estabelecimentos abertos ao público, a regra é o atendimento indistinto. Órgãos de defesa do consumidor consideram abusiva qualquer prática que crie barreiras de acesso ou constrangimentos com base em convicções político-partidárias. Mesmo quando não há uma placa dizendo “proibido”, expressões que indiquem que alguém “não é bem-vindo” tendem a ser analisadas pelo efeito prático que produzem: se desencorajam o consumo por determinado grupo, podem ser tratadas como discriminação, ainda que indireta.
A eventual recusa de atendimento, além de ilegal na maioria das situações, pode gerar responsabilização civil com indenização por danos morais coletivos, se houver lesão a interesses difusos ou coletivos de consumidores. Em paralelo, a comunicação comercial deve respeitar princípios como veracidade, clareza e não abusividade, evitando mensagens que exponham a clientela a situações vexatórias, de ameaça ou de intimidação.
Qual a diferença entre “não é bem-vindo” e “proibido entrar” do ponto de vista legal?
Embora as expressões sejam diferentes, a avaliação jurídica não se prende apenas às palavras. O que importa é o resultado: se a comunicação cria um ambiente em que pessoas de determinada convicção sintam-se afastadas, inferiorizadas ou constrangidas, há indícios de violação de regras de atendimento ao público. A decisão liminar deste caso caminha nessa direção ao reforçar que mudar a terminologia não autoriza manter, por meios indiretos, uma distinção incompatível com o atendimento universal em atividade comercial.
Em síntese, um cartaz que não diga “proibido” pode, ainda assim, ser considerado indevido se o contexto e a interpretação razoável revelarem uma barreira de acesso. O inverso também se aplica: avisos que não têm caráter segregador — como informações de horário de funcionamento, regras sanitárias ou limites de idade previstos em lei — são aceitáveis por tratarem de condições objetivas, iguais para todos os consumidores.
O que acontece se a liminar for descumprida?
Se o estabelecimento descumprir a ordem, incidem multas diárias no valor fixado pela Justiça, até o limite estabelecido. Além disso, o MP pode pedir o agravamento das medidas, como a majoração da multa ou outras providências para assegurar a efetividade da decisão. Em certos casos, descumprimentos reiterados podem levar a responsabilizações adicionais, a depender do que o juiz entender necessário para garantir o cumprimento da ordem e evitar novos danos aos consumidores.
Cumprir a liminar não impede que a empresa se defenda no mérito. A medida visa estancar efeitos potencialmente lesivos durante o processo. A fase de instrução é o momento adequado para a produção de provas, inclusive testemunhais, periciais ou documentais, que possam confirmar ou afastar a tese de discriminação.
Como o consumidor pode registrar reclamação se se sentir discriminado?
O consumidor pode procurar o Procon local, o Ministério Público e, quando pertinente, a Polícia Civil para registrar ocorrência. É recomendável reunir evidências: fotos dos cartazes, prints de publicações, recibos que demonstrem a relação de consumo e relatos de testemunhas. Esses elementos ajudam a comprovar que a mensagem não é apenas uma opinião na internet, mas tem impacto no atendimento presencial ou na oferta de produtos e serviços.
Além dos canais oficiais, plataformas de reclamação e juizados especiais cíveis são caminhos utilizados em disputas envolvendo relações de consumo. A orientação é sempre buscar, primeiro, registrar a situação junto a órgãos públicos, que podem dar encaminhamento coletivo quando há indícios de prática reiterada ou de ofensa a um grupo mais amplo de consumidores.
Possíveis desfechos do processo e próximos passos
No curto prazo, a pauta do processo envolve o cumprimento da liminar e eventuais recursos. A defesa pode contestar a decisão provisória, pedir sua revisão e tentar demonstrar que não houve discriminação. O Ministério Público, por sua vez, buscará consolidar elementos que indiquem a manutenção de um ambiente excludente, mesmo com a troca de termos na comunicação. O juiz poderá realizar audiências, colher depoimentos e decidir sobre pedidos de produção de prova. Ao final, haverá sentença apreciando o mérito: se houve ou não prática discriminatória e quais medidas sancionatórias são cabíveis.
Quanto às consequências, variam desde a confirmação da obrigação de não veicular mensagens com teor discriminatório até condenações por dano moral coletivo, com valores a definir conforme a extensão do dano e a capacidade econômica das partes. Também podem ser determinadas medidas de divulgação de retratação, caso o magistrado entenda que isso contribui para reparar o dano difuso. Tudo dependerá do conjunto probatório que emergir nos autos e do entendimento judicial a respeito do impacto real das mensagens no atendimento ao público.
Boas práticas de comunicação para empresas que atendem ao público
Empresas que se comunicam em ambientes digitais e físicos podem adotar alguns cuidados práticos para evitar litígios. Entre eles, manter foco em informações objetivas sobre produtos, preços e condições de pagamento; evitar alusões a grupos ou convicções que não tenham relação com a oferta; e revisar peças publicitárias com uma lente de “risco de leitura” — isto é, considerar como um consumidor médio interpretaria a mensagem ao entrar no estabelecimento. Essa revisão pode incluir a consulta a profissionais de marketing e a uma assessoria jurídica preventiva.
Outro ponto é a governança de redes sociais: definir quem aprova conteúdos, registrar versões das peças e estabelecer critérios de retirada imediata quando houver indícios de violação de direitos. A documentação interna ajuda a demonstrar boa-fé e rapidez de resposta. Em caso de controvérsia, comunicar de forma clara medidas corretivas — como a retirada de cartazes e esclarecimentos públicos — tende a reduzir danos reputacionais e a sinalizar comprometimento com um atendimento uniforme a todos os clientes.
Canais de denúncia e fiscalização: como funcionam na prática
Quando há suspeita de discriminação no atendimento, os Procons têm competência para instaurar processos administrativos, aplicar multas e exigir a correção de práticas abusivas. O Ministério Público, por sua vez, pode propor ações civis públicas para proteger interesses difusos e coletivos de consumidores. Esses instrumentos se complementam: a via administrativa costuma ser mais rápida para ajustes pontuais; a via judicial busca decisões com força mais ampla e reparação de danos de maior alcance.
Na esfera judicial, medidas urgentes, como liminares, são concedidas quando há risco de dano continuado. Elas não substituem a análise de mérito, mas têm papel relevante para impedir que uma situação potencialmente lesiva se prolongue durante o trâmite do processo. Ao mesmo tempo, asseguram às partes o direito de defesa e a possibilidade de reverter ou ajustar a decisão conforme os elementos reunidos posteriormente.
Análise de impacto: imagem, clientela e ambiente de loja
Comunicações com carga político-partidária ou que possam ser interpretadas como excludentes tendem a polarizar o público. Em curto prazo, podem gerar picos de engajamento, com crescimento de seguidores e maior visibilidade. No médio prazo, o risco é ampliar a percepção de que a loja não é um espaço neutro e, portanto, não é um ambiente confortável para todos. Isso pode reduzir a frequência de parte da clientela, inclusive de consumidores que desejam evitar conflitos ou constrangimentos, independentemente de seu posicionamento político.
Para negócios de bairro e varejo alimentar, a experiência de compra conta tanto quanto o preço. Atendimento cordial, fila organizada e comunicação objetiva costumam pesar mais na decisão de retorno do cliente do que a posição do estabelecimento em temas públicos. Ao optar por pautas potencialmente divisivas, a empresa assume um risco calculado e deve estar preparada para lidar com repercussões, inclusive as jurídicas. O caso do Frigorífico Goiás ilustra como uma peça de vitrine pode desencadear discussões que extrapolam a loja e chegam ao Poder Judiciário.
O que observar em cartazes, posts e anúncios para evitar problemas legais
— Evite termos que qualifiquem clientes ou grupos de pessoas como indesejados. A mensagem pode ser compreendida como barreira de acesso, mesmo que não haja proibição literal. Em geral, quanto mais descritiva e neutra for a comunicação, menor o risco de que ela seja interpretada como discriminatória. Slogans com efeito de exclusão tendem a ser o principal ponto de conflito em processos dessa natureza.
— Prefira destacar informações objetivas: preço, peso, cortes, origem, formas de pagamento, horários e canais de atendimento. Esses elementos têm relação direta com a oferta ao consumidor e reduzem chances de litígio. Quando houver humor ou ironia, convém avaliar se a peça permanecerá compreensível fora do contexto das redes, já que cartazes de vitrine são vistos por públicos variados, inclusive crianças e idosos, com diferentes repertórios de leitura.
Repercussão política e econômica local: o que está em jogo
Casos que envolvem comunicação comercial e política tendem a deslocar debates das redes para a arena institucional. Em Goiânia, a discussão aciona atores diversos — consumidor, comerciante, MP, Judiciário e representantes eleitos — e levanta uma pergunta mais ampla: qual é o papel de um ponto de venda no debate público? Para parte do empresariado, a vitrine é extensão da personalidade da marca; para órgãos de proteção, a vitrine é parte do ambiente de consumo, sujeito a regras de neutralidade e não discriminação.
Do ponto de vista econômico, a controvérsia pode induzir efeitos temporários na demanda, com consumidores migrando para estabelecimentos percebidos como mais neutros ou alinhados a suas preferências. O conjunto de decisões judiciais em casos assim também orienta o comportamento de outras empresas na região, que analisam o risco jurídico antes de apostar em campanhas de alto impacto discursivo.
Glossário de termos usados no caso
— Liminar: decisão provisória concedida no início de um processo, destinada a evitar danos ou preservar direitos até que o caso seja analisado em profundidade. Pode impor obrigações, proibições e multas diárias para garantir cumprimento imediato, sem prejuízo da discussão do mérito em fase posterior.
— Dano moral coletivo: forma de reparação aplicada quando uma conduta causa ofensa a uma coletividade, e não apenas a indivíduos identificáveis. Em ações civis públicas, o valor é fixado levando em conta a gravidade da lesão, seu alcance social e a capacidade econômica do réu, com a finalidade de desestimular novas ocorrências e compensar a coletividade lesada.
Lições para o varejo: posicionamento sem ferir o atendimento universal
Para empresas interessadas em se posicionar em temas públicos, uma alternativa é separar claramente os canais e os formatos: manter as vitrines e os pontos de venda físicos com comunicações estritamente comerciais, enquanto se reservam os comentários opinativos a perfis pessoais, sempre com atenção para não confundir opinião privada com política de atendimento. Mesmo em perfis corporativos, é possível discutir assuntos públicos de forma informativa, sem direcionar mensagens a grupos de consumidores ou sugerir que parte da clientela é indesejada.
A experiência do consumidor deve permanecer no centro das decisões. Se a comunicação afasta ou inibe a entrada de quem pensa diferente, há sinal de alerta. Em vez disso, campanhas que convidem à experimentação do produto, expliquem procedências, cortes, pesagens e formas de preparo tendem a fortalecer a relação com todos os públicos. O objetivo é que cada pessoa, independentemente de sua convicção, se sinta respeitada e confortável para comprar.
Pontos a acompanhar a partir de agora
— Eventuais recursos da defesa contra a liminar e manifestações do Ministério Público sobre a manutenção, ampliação ou revisão das medidas. Essas peças processuais costumam oferecer pistas sobre a linha de argumentação de cada parte e sobre como o caso pode evoluir nos tribunais, inclusive no que diz respeito à eventual negociação ou composição.
— Novos desdobramentos na comunicação do frigorífico, incluindo a permanência, alteração ou retirada do novo cartaz e o teor das publicações nas redes sociais. Outro elemento relevante é a experiência relatada por consumidores no atendimento presencial, que pode reforçar ou contradizer a interpretação de que a mensagem cria — ou não — um ambiente excludente para parte do público.